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“não lanceis as vossas pérolas aos porcos...”. Nessa semana que se passou tive a<br />
experiência oposta. O filme havia realmente terminado. Tudo o que era para ser<br />
dito havia sido dito. A tela começou a mostrar os nomes dos técnicos que haviam<br />
trabalhado na produção. Era hora de ir embora. Mas ninguém se mexeu. O público<br />
estava paralisado. Paralisado pela beleza, pela bondade, pela humanidade, pela<br />
simplicidade. E, quando as luzes se acenderam, a platéia explodiu em aplausos.<br />
Tratava-se da história comovente e simples de dois jovens, estudantes de<br />
medicina. Antes de terminar o seu curso resolveram fazer uma aventura: viajar,<br />
com pouco dinheiro, numa motocicleta velha, a “Poderosa”, de Buenos Aires até a<br />
Venezuela, para conhecer o nosso continente, a América Latina. Os cenários são<br />
maravilhosos. A fotografia, lindíssima. Mas o que comove é a experiência humana,<br />
o contato com a prepotência dos ricos e a impotência dos pobres, os mineiros de<br />
face dura e triste, os leprosos deformados. Do princípio ao fim, o filme é uma<br />
experiência humana linda em que se misturam risos e choro. Não existe ação, no<br />
sentido que os americanos dão a esta palavra. Nenhum suspense de violência,<br />
nenhuma pregação ideológica. O que há de suspense angustiante são as crises de<br />
asma de um deles, o mais moço, Ernesto. O nome do filme é Diários de<br />
motocicleta, extraído do diário que o jovem asmático de 24 anos de idade, Ernesto<br />
Guevara, escreveu durante a viagem.<br />
Ovo frito<br />
Gosto muito de ovo. Ovo frito. Ovo escaldado, com pão torrado. Coisa boba, o fato<br />
é que comecei a pensar sobre as razões por que gosto de ovo. Lembrei-me... Meu<br />
pai era viajante. Passava a semana fora de casa. Voltava às sextas-feiras, no trem<br />
das oito. Noite escura, o trem das oito vinha apitando na curva, resfolegando de<br />
cansado, expelindo enxames de vespas vermelhas, chamuscava uma paineira,<br />
entrava na reta, passava a dez metros da nossa casa, todos nós estávamos lá, o<br />
pai com a cabeça de fora, sorrindo, e todos corríamos para a estação. Ele vinha<br />
com fome e sujo. Água quente não havia. Mas não tinha importância. Da leitura do<br />
Evangelho havíamos aprendido de Jesus, no lava-pés, que quem está com os pés<br />
limpos tem o corpo inteiro limpo. A coisa, então, era lavar os pés. E esse era o<br />
costume geral lá em Minas. Minha mãe esquentava água no fogão de lenha, punha<br />
numa bacia e eu lavava os pés do meu pai. Depois de limpo, ele se assentava à<br />
mesa e o que tinha para comer era sempre a mesma coisa: arroz, feijão, molho de<br />
tomate e cebola, ovo frito e pão. Ele me punha assentado ao joelho e comia junto.<br />
Ah, como é gostoso comer pão ensopado no molho de tomate, pão lambuzado no<br />
amarelo mole do ovo! Era um momento de felicidade. Nunca me esqueci. Acho que<br />
quando enfio o pão no amarelo mole do ovo eu volto àquela cena da minha