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Sonho<br />
Ela estava com câncer. Sabia que iria morrer. Mas não queria morrer. Era muito<br />
cedo. Havia muita coisa a ser vivida. Então, teve um sonho. Era um jantar, muitos<br />
amigos reunidos, comendo. Aí um garçom dirigiu-se a ela e segurou a borda do seu<br />
prato para tirá-lo. Mas ela não terminara ainda! A comida estava gostosa. Seu<br />
prato estava cheio. Segurou então o prato para impedir que o garçom o levasse.<br />
Ela queria comer tudo o que estava no seu prato, até o fim. Houve um momento<br />
imóvel: o garçom, decidido a levar seu prato, e ela, decidida a não deixar que ele o<br />
fizesse. Passados alguns segundos nesse impasse, ela olhou para o garçom, sorriu,<br />
largou o prato e disse: “Pode levá-lo...”.<br />
Cecília Meireles<br />
Eu sinto uma terrível tristeza, uma vontade de não partir. Promessas de<br />
imortalidade da alma não me consolam. Sou um ser deste mundo. Meu corpo<br />
precisa dos cheiros, das cores, dos gostos, dos sons, das carícias... Poderia, por<br />
acaso, haver um caqui espiritual, ou um mar que não fosse água? Lembro-me da<br />
Cecília Meireles: “Pergunto se este mundo existe, e se, depois que se navega, a<br />
algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, mais triste. Nem barca, nem<br />
gaivota: somente sobre-humanas companhias...”. Não, não quero partir. Meu corpo<br />
pertence a este mundo.<br />
Poeta<br />
Muita gente tenta escrever poesia. Poucos conseguem. Eu mesmo nunca me atrevi.<br />
Mas tenho uma amiga agraciada pelos deuses, Cássia Janeiro. A poesia mora nela.<br />
O professor Antonio Candido, ao ler os poemas da Cássia, ficou espantado com a<br />
sua profundidade e beleza. O que o levou a escrever o prefácio do seu primeiro<br />
livro. Antes de me conhecer pessoalmente, a Cássia leu o que escrevi sobre pérolas<br />
e ostras. E foi isso que ela disse: “Certa vez li, num artigo de <strong>Rubem</strong> <strong>Alves</strong>, a<br />
seguinte expressão: ‘<strong>Ostra</strong> feliz não faz pérola.’ Aquilo ficou guardado na minha<br />
cabeça e me acompanhou nos momentos mais profundos de dor e de solidão que,<br />
quem sabe, tenham se transformado em pérolas ou ainda estejam se<br />
transformando”. Pois a Cássia, ostra, produziu uma pérola poética, um novo livro<br />
de poemas com o título A pérola e a ostra. Com licença dela, transcrevo o poema<br />
que ela dedicou ao professor Antonio Candido, que havia acabado de perder sua<br />
esposa:<br />
O QUE SOBROU