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A chuva<br />
Quando chovia, depois de muito sol quente, meu pai gostava de ficar na janela da<br />
casa velha, lá em Minas, vendo as plantas do quintal, cada uma delas fazendo os<br />
gestos que sabia. Os tomateiros, hortelãs e manjericão, exalando seus perfumes.<br />
As folhas de couve e de espinafre, brincando de juntar gotas d’água, grandes e<br />
brilhantes. As árvores e arbustos executando seus passos de dança, balançando as<br />
folhas, sob os pingos que caíam... Ele olhava, sorria, baforava o seu cachimbo e<br />
dizia: “Veja só como estão agradecidas”.<br />
Crepúsculo<br />
A metáfora mais bonita que conheço para a velhice é o crepúsculo, o pôr do sol. O<br />
crepúsculo é lindo. <strong>Faz</strong> pensar. No crepúsculo tomamos consciência da rapidez do<br />
tempo. As cores rapidamente passam do azul para o verde, para o amarelo, para o<br />
abóbora, para o vermelho, para o roxo, para o negro... No crepúsculo sentimos o<br />
tempo fluir rapidamente. Por isso muitas pessoas têm medo dele. A famosa happy<br />
hour foi inventada como terapia para a tristeza do crepúsculo. No crepúsculo nos<br />
tornamos poetas. Muitos poetas escreveram sobre ele: Cecília Meireles, Fernando<br />
Pessoa, Browning, Wordsworth.<br />
Sem substância<br />
Alan Watts, no seu lindo livro O Tao: o caminho das águas ; não é bem assim, mas<br />
digamos que o “Tao” é o deus do taoísmo. O deus do taoísmo é um rio em que<br />
temos de navegar sem remar, flutuando ao sabor das águas, sem fazer força,<br />
porque é inútil nadar ao contrário; pois é, o Alan Watts escreveu o seguinte:<br />
“Especialmente à medida que se vai ficando velho, torna-se cada vez mais evidente<br />
que as coisas não possuem substância, pois o tempo parece passar cada vez mais<br />
rápido, de forma que nos tornamos conscientes da liquidez dos sólidos; as pessoas<br />
e as coisas ficam parecidas com reflexos e rugas efêmeras na superfície da água”.<br />
Nona<br />
Recebi um telefonema de dona Nicolina Palermo, 86 anos de idade, a quem os<br />
amigos tratam por “Nona”. Foi um momento de felicidade. É maravilhoso esse<br />
poder que têm os livros para criar pontes entre pessoas que se amam sem se<br />
conhecer. Uma vez, num lançamento de livros em Belo Horizonte, a inevitável