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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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aquilo que todo mundo considera normal. Mas o amor na velhice é um espanto,<br />

pois nos revela que o coração não envelhece jamais. T. S. Eliot, na juventude dos<br />

seus setenta anos, escreveu: “O amor retribuído sempre rejuvenesce”.<br />

Os pés têm a mesma idade<br />

O senhor idoso estava com um problema no pé esquerdo. Dores. Como pontas de<br />

agulhas. Difícil andar. Foi ao médico. O médico apalpou, radiografou, concluiu: “Os<br />

pés são membros complicados do nosso corpo. Muitos ossinhos têm de se ajustar.<br />

E ocorre que, com o passar dos anos, os encaixes vão se desajustando. As dores no<br />

seu pé têm a ver com os muitos anos de caminhar...”. Ele disse isso com um sorriso<br />

bondoso. O velho não se conformou e respondeu: “Mas o meu pé direito não tem<br />

dores e ele tem a mesma idade que o pé esquerdo...”.<br />

Apresentação<br />

“Papai, quero lhe apresentar um amigo.” Responde o pai, ancião: “Já conheço<br />

gente demais. Não quero conhecer mais um”.<br />

Amor crepuscular<br />

A Tomiko, amiga querida, me contou que a viúva do Dico Schiller, um pastor<br />

metodista extraordinariamente humano e inteligente, se casou. Ela, passados os 76<br />

anos. O novo marido, passados os 80... Não é lindo? Velhos do mundo: amai! O<br />

amor faz bem à saúde. Já escrevi sobre um caso parecido. Os dois velhos se<br />

casaram e viveram juntos por dois anos. O marido morreu aos 81, feliz,<br />

transformado em poeta. Ela aos 79. Depois da morte do marido, ela me telefonou<br />

e disse: “Pois é, professor, nessa idade a gente não mexe muito com as coisas do<br />

sexo... A gente vivia de ternura...”.<br />

Tempo ao contrário<br />

O amor tem este poder mágico de fazer o tempo correr ao contrário. O que<br />

envelhece não é o tempo. É a rotina, o enfado, a incapacidade de se comover ante<br />

o sorriso de uma mulher ou de um homem. Mas será incapacidade mesmo? Ou não<br />

será uma outra coisa: que a sociedade inteira ensina aos seus velhos que velho<br />

que ama é velho sem-vergonha, que o tempo do amor já passou, que agora é<br />

tempo de esperar a morte, que o preço de serem amados por seus filhos e netos é<br />

a renúncia aos seus sonhos de amor?

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