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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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“Akemi”. Mas as simpatias são uma prova do que a estupidez humana é capaz de<br />

inventar e acreditar. “Para curar diabetes: pegar um mamão-macho, cortar uma<br />

tampa, urinar dentro dele (o diabético), tampar bem tampado e depois enterrar o<br />

mamão. Para atrair muito dinheiro: na lua nova pegar uma nota, a maior que tiver<br />

em mão, chegar à janela, levantar a nota para a Lua, dizendo três vezes: Lua nova,<br />

renova essa nota para mim em milhões, cem milhões. Rezar um Pai-Nosso e uma<br />

Ave-Maria.” Fiquei em dúvida sobre se deveria colocar essas simpatias no texto.<br />

Explico: a Bia, da Papirus, me disse que recebeu um texto com a afirmação: “É<br />

impossível morder o cotovelo”. Pois ela duvidou e imediatamente tentou morder o<br />

cotovelo. Fracassou. O texto continuava: “Você não acreditou. Tentou morder...”.<br />

Imaginei que o mesmo poderia acontecer com alguns leitores que gostariam de<br />

colocar as simpatias à prova e se dispusessem a urinar dentro do mamão e a<br />

mostrar cédulas de R$100,00 para a Lua... Se der resultado me avisem...<br />

“A quem muito se lhe deu muito se lhe pedirá”<br />

Albert Schweitzer é uma das pessoas que mais admiro. Teólogo, filósofo, prêmio<br />

Goethe de Literatura, concertista de órgão, especialista em Bach, sobre quem<br />

escreveu uma obra clássica, prêmio Nobel da Paz, aos trinta anos abandonou tudo.<br />

Mudou a direção do seu voo. Profundamente místico, com grande compaixão pelos<br />

que sofriam, resolveu estudar medicina e passar o resto de sua vida num lugarejo<br />

miserável, no coração da África. Ele levava a sério as palavras de Jesus: “A quem<br />

muito se lhe deu, muito se lhe pedirá”. E pensava: “Muito, muitíssimo me foi dado;<br />

muito, muitíssimo eu tenho que dar”. E deu a sua vida inteira. Jamais passaria pela<br />

sua cabeça imaginar que ele, em virtude do muito que havia recebido, deveria<br />

gozar de privilégios especiais. Lembrei-me dele ao ler sobre aqueles que, havendo<br />

recebido muito, argumentam que, por haverem recebido muito, têm o direito de<br />

receber mais ainda. O Brasil é o país onde o que vale é o contrário do que diz<br />

Jesus, e isso a despeito dos crucifixos e benzeções: “A quem muito se lhe deu,<br />

muito mais se lhe dará”. Se não é de Jesus, de quem será? Não me atrevo a<br />

sugerir. É assim que aqueles que foram encarregados democraticamente de<br />

proteger os fracos fazem leis em benefício próprio, leis que acrescentam só a eles<br />

privilégios dos quais o povo comum está excluído. Isso não é coisa nova. Os<br />

profetas já denunciavam os pastores que engordavam com a carne das ovelhas que<br />

deveriam proteger. Acho, sim, que se há um grupo que é merecedor de leis<br />

especiais que lhe garantam privilégios, esse grupo são as crianças. As crianças<br />

abandonadas são uma ferida horrível numa sociedade de classes privilegiadas e<br />

arrogantes que vivem em palácios... Como é bem sabido, “quem semeia ventos<br />

colhe tempestades...”.

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