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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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Eu sei, graças a Levítico 11:6-8, que quem tocar a pele de um porco morto fica<br />

impuro. Acontece que adoro jogar futebol americano, cujas bolas são feitas de pele<br />

de porco. Será que me será permitido continuar a jogar futebol americano se usar<br />

luvas?<br />

Meu tio tem uma granja. Deixa de cumprir o que diz Levítico 19:19, pois planta<br />

dois tipos diferentes de sementes no mesmo campo, e também deixa de cumprir a<br />

sua mulher, que usa roupas de dois tecidos diferentes, a saber, algodão e poliéster.<br />

Além disso, ele passa o dia proferindo blasfêmias e maldizendo. Será que é<br />

necessário levar a cabo o complicado procedimento de reunir todas as pessoas da<br />

vila para apedrejá-los? Não poderíamos adotar um procedimento mais simples,<br />

qual seja, o de queimá-los numa reunião privada, como se faz com um homem que<br />

dorme com a sua sogra, ou uma mulher que dorme com o seu sogro (Levítico<br />

20:14). Sei que a senhora estudou esses assuntos com grande profundidade de<br />

forma que confio plenamente na sua ajuda. Obrigado de novo por recordar-nos que<br />

a Palavra de Deus é eterna e imutável.”<br />

A Reforma Protestante<br />

Eu sou de tradição protestante, muito embora, para permanecer protestante, tenha<br />

me desligado das igrejas protestantes. É preciso esclarecer que a tradição<br />

protestante nada tem a ver, absolutamente nada, com esses movimentos religiosos<br />

que se denominam “evangélicos”. A tradição protestante não promete milagres,<br />

cultiva a razão, estimula a ciência, é profundamente ética, e a ela estão ligados<br />

nomes como Leibniz, Kant, Hegel, Kierkegaard, Albert Schweitzer, Martin Luther<br />

King Jr., Dag Hamarkjoeld, Dietrich Bonhoeffer, Mondelaine. Em que consiste essa<br />

tradição? A Reforma, contrariamente ao nome, não foi um movimento que visava<br />

“reformar” a Igreja Católica do século XVI: não se coloca remendo de pano novo<br />

em tecido podre. Não é um conjunto de doutrinas teológicas diferentes como<br />

justificação pela graça e sacerdócio universal das pessoas. Não é uma nova<br />

organização da Igreja. Quem só sabe essas coisas não viu o que é essencial. Para<br />

dizer o que foi o espírito da Reforma, vou me valer de uma peça musical, a<br />

Segunda sinfonia de Gustav Mahler (1860-1911), chamada Sinfonia da ressurreição.<br />

Eis como ele mesmo descreve o último movimento da sinfonia: “Chegou o dia do<br />

julgamento final. O terror cobre a terra. A terra estremece, as sepulturas se abrem,<br />

os mortos ressuscitam, poderosos e humildes, reis e mendigos, justos e injustos.<br />

Um grito terrível enche o universo com um pedido de perdão que enche o espaço.<br />

Ouvem-se as trombetas apocalípticas. É hora do ajuste de contas, débitos e<br />

créditos, Céu e Inferno, Inferno tão bem pintado nas telas horrendas de Hieronimus<br />

Bosch. Então, em meio a um silêncio sinistro, ouve-se o canto de um rouxinol

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