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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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Papa<br />

O papa escreveu um documento espinafrando os católicos que não santificam o<br />

domingo. Ele exorta os fiéis a fazer do jeito preciso que os protestantes faziam.<br />

Será esse um gesto de aproximação ecumênica? No passado não era assim. Nós,<br />

protestantes, morríamos de inveja dos católicos. Os fiéis iam à missa e, com isso,<br />

seus deveres para com Deus estavam cumpridos. Depois disso, tudo era liberdade:<br />

praia, piqueniques, rádio, futebol, sorvete, cinema. Entendo a preocupação do<br />

supremo pontífice. Os tempos são outros. Os ritos sagrados, graves, não podem<br />

competir com as deliciosas tentações do mundo. O Diabo é muito sedutor. Com<br />

isso, as igrejas ficam vazias. As igrejas na Alemanha, sempre vazias, colocaram<br />

telões dentro dos templos para que os fiéis pudessem assistir à copa de futebol<br />

cristãmente. Foi a única forma que encontraram para, provisoriamente, encher os<br />

seus templos. Os fiéis deixaram de ter medo de Deus. Fez bem o papa em<br />

determinar que os católicos cumpram o mandamento de santificar o domingo.<br />

Domingo não é dia de diversão. Domingo é dia de devoção. Domingo é dia da<br />

Igreja. Eu só não entendo as razões por que as seitas evangélicas não têm esse<br />

problema. Parece que os seus templos estão sempre cheios. Por quê? Deve haver<br />

alguma razão. Talvez porque, não tendo dinheiro para ir à praia, as reuniões nos<br />

templos se tornam uma alternativa alegre. A pobreza muito contribui para a<br />

santidade.<br />

Remédio contra a morte<br />

Há doenças que só chateiam: resfriado, torcicolo, frieira, hemorroidas... Ninguém<br />

pensa que vai morrer por causa delas – só se for uma pessoa perturbada da<br />

cabeça. Doente com essas doenças, o incômodo fica nosso companheiro, em todas<br />

as horas. Mas há outras doenças que, inevitavelmente, trazem consigo a<br />

possibilidade da morte. Quem tem câncer pensa em morte. Quem tem uma<br />

insuficiência renal crônica pensa em morte. Quem tem leucemia pensa em morte.<br />

Quem sofre de uma degeneração progressiva do sistema nervoso pensa em morte.<br />

Quem tem hepatite C pensa em morte. Quem tem aids pensa em morte. Só o<br />

nome da doença já traz a companhia do fantasma da morte. E o corpo fica sendo<br />

um lugar mal-assombrado. Alguns pensam que o remédio contra o fantasma é não<br />

falar nele. Tive um tio de quem eu muito gostava que se recusava a ir ao médico. E<br />

a sua justificativa era: “Pode ser que eu tenha alguma coisa”. Ele pensava que a<br />

coisa só existe quando é falada. Assim, o remédio contra a morte é não falar.<br />

Pensamento positivo! Falemos sobre música e flores! Sobre futebol e política! O

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