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Aos terapeutas<br />
Albert Camus escreveu no seu diário um pensamento que julgo ser merecedor da<br />
cuidadosa meditação dos terapeutas, especialmente psicanalistas: “Por uma<br />
psicologia generosa: Ajudamos mais uma pessoa dando dela própria uma imagem<br />
favorável do que apontando constantemente os seus defeitos”.<br />
Exílio<br />
Por que se gosta de um autor? Gosta-se de um autor quando, ao lê-lo, tem-se a<br />
experiência de comunhão. Arte é isso: comunicar aos outros nossa identidade<br />
íntima com eles. Ao lê-lo eu me leio, melhor me entendo. Somos do mesmo<br />
sangue, companheiros no mesmo mundo. Não importa que o autor já tenha<br />
morrido há séculos... Inversamente, quando não gosto de um autor, é porque não<br />
há comunhão. É como se ele fosse uma comida estranha que causa repulsa. Essa é<br />
a razão por que gosto tanto de Nietzsche. Foi amor à primeira vista. O que ele diz<br />
ilumina o meu ser. E há nele um sentimento doloroso: o sentimento de exílio. “Em<br />
cada chegada eu sou uma partida”, ele disse. É comum entre os escritores esse<br />
sentimento de estranheza no mundo. Drummond via isso na Cecília e dizia que<br />
esse era um dos seus traços marcantes. Sinto o mesmo. Se os que creem na<br />
reencarnação estão certos, então está tudo explicado. Nasci neste tempo, mas<br />
minha alma ficou num lugar do passado que eu muito amei.<br />
O universo é música<br />
Eu ia guiando o meu carro pelos caminhos de Minas Gerais enquanto ouvia o<br />
Messias, de Haendel. Percebi então, repentinamente (as revelações sempre<br />
acontecem de repente), as razões por que amo tanto aqueles lugares. É que lá eu<br />
retorno, ainda que por um curto espaço de tempo, ao mundo barroco, e<br />
experimento a felicidade da alienação... Tudo é harmonia. Os beija-flores flutuam.<br />
No campo verde, as vacas pastam tranquilamente. Ao lado direito, o rio escorre<br />
entre as pedras. O vento balança as árvores. As flores florescem como sempre<br />
floresceram. No céu azul, as nuvens navegam sem saber para onde vão. “As<br />
nuvens são dos rios seus claros pensamentos que um dia serão rios...”, assim viu o<br />
Heládio Brito. Será que as flores são os pensamentos da terra? Tudo gira, tudo<br />
volta ao início. O belo quer voltar, repetir-se, eternamente. Todos os seres são<br />
belos. Cada um deles é uma nota no coral de Bach que o universo entoa. Todos os<br />
seres são o que deviam ser. O universo é uma catedral. O céu é uma abóbada