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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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lugar para ética no tabuleiro. Há uma única pergunta: “Que movimento fazer para<br />

derrotar o adversário?”. Isso é verdadeiro para o jogo de xadrez, o jogo econômico<br />

e o jogo político. Maquiavel, Marx e Weber sabiam disso. A ética é sempre invocada<br />

pelos que estão perdendo. Não conheço caso de partido no poder que tenha<br />

invocado princípios éticos para colocar limites ao uso de seu poder. Transparência!<br />

Que lindo princípio ético! Somente um louco seria transparente! Ser transparente é<br />

ser vulnerável. E quem é vulnerável fica fraco. Maquiavel, nos seus conselhos ao<br />

príncipe, faz a seguinte pergunta: “O que é mais importante? Que o príncipe seja<br />

virtuoso ou que o príncipe pareça ser virtuoso?”. A ética responderia: “Que ele seja<br />

virtuoso, transparentemente virtuoso!”. A esperteza política responde: “Que ele<br />

pareça ser virtuoso. O que o príncipe é, na realidade, deve ser protegido dos olhos<br />

por uma cortina opaca”. O jogo de xadrez pode muito bem nos ajudar a entender o<br />

nosso momento político. Tudo se faz para “parecer ser” e tudo se faz para evitar a<br />

transparência. Compreende-se o esforço do governo para preservar a “rainha”.<br />

Afinal de contas, é a peça mais importante para proteger o “rei”... É preciso<br />

entender: ninguém é culpado. Os jogadores não têm alternativas. Eles têm de se<br />

submeter às regras. Assim é a política, sempre.<br />

Chapeuzinho Vermelho<br />

A estória de Chapeuzinho Vermelho nos ensina preciosas lições políticas.<br />

Caminhando pela floresta, Chapeuzinho, tão bobinha, acredita na fala do lobo,<br />

escondido no meio das árvores. Assim é o povão: acredita em qualquer coisa. Se<br />

duvidam, sugiro que gastem um pouco do seu tempo olhando os programas<br />

religiosos na televisão. Esses programas poderiam ser usados para avaliar o grau<br />

de inteligência e educação da população. É assombroso aquilo em que se pode<br />

acreditar! Acredita-se em tudo, desde que um milagre seja prometido. Muito mais<br />

espertos que o lobo de antigamente, os lobos de agora valem-se da mais moderna<br />

tecnologia. Contratam “produtores de imagem”. O que é um “produtor de<br />

imagem”? É um profissional de estética que faz operações plásticas na imagem do<br />

candidato de forma que ele deixe de ser o que era, naturalmente, e fique parecido<br />

com a imagem que o povo deseja. Pois o lobo, já com a vovozinha dentro da<br />

barriga – (Voz gutural: “Que grande goela a minha! Engoli a velha inteirinha!”) –,<br />

“fantasiou-se” de vovozinha. “Toc, toc, toc...”, Chapeuzinho bateu à porta. “Quem<br />

bate sem ordem minha?”, pergunta o lobo com voz grossa. “Sou eu,<br />

Chapeuzinho...” O produtor de imagem que se escondia atrás da cabeceira da cama<br />

lhe disse logo: “Mude a voz, mude a voz...”. E sua voz gutural se transforma na<br />

trêmula voz de uma velhinha indefesa: “Pode entrar, minha netinha”. Chapeuzinho<br />

conhecia a vovó muito bem. Aproxima-se da cama e, pasmem!, não percebe a

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