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centenas deles, cobriam o meu corpo. Quando o carrapato é grande, é fácil acabar<br />
com ele. Ele se agarra à pele, engorda, fica visível, perde a mobilidade. A gente o<br />
agarra, puxa e joga dentro da privada, se tiver nojo de espremer com a unha. Pode<br />
também queimar com um fósforo aceso. Eu corri para o banheiro. Tirei a roupa.<br />
Tomei banho. Esfreguei-me com bucha. Esfreguei-me com álcool. Mas havia um<br />
problema: como me livrar dos micuins que infestavam minha roupa ? Catá-los, um<br />
a um? Impossível. O enorme fogão de ferro, fogaréu aceso, deu-me uma ideia.<br />
Resolvi dar aos micuins o tratamento que a pia Inquisição espanhola dava aos<br />
judeus: pus minha roupa no forno do fogão de lenha. Mas me esqueci. O alarme foi<br />
dado quando a cozinha se encheu da fumaça que saía do forno. Meu tratamento<br />
fora eficaz. Os micuins estavam reduzidos a carvão. Mas minha roupa também.<br />
Xadrez e política<br />
Existe uma grave falha na minha formação: não aprendi a jogar xadrez, talvez o<br />
jogo mais fascinante jamais inventado. Claro, conheço as peças e sei movê-las.<br />
Mas, no xadrez, sou como o homem descrito por Sacks: não consigo perceber o<br />
“rosto” do jogo. Não me dediquei à aprendizagem da totalidade. E, na guerra,<br />
quem não tem a visão do todo, perde. Eu perco sempre e rápido. Xadrez é um jogo<br />
de guerra. Ou de política. Porque política e guerra são a mesma coisa. A guerra é a<br />
política quando feita com o uso das armas. Claro que na política se faz uso de<br />
armas também. Mas esse uso é dissimulado. Xadrez: dois exércitos que se<br />
defrontam. O confronto só é possível porque há um espaço vazio. Se não houvesse<br />
esse espaço, as peças ficariam imóveis, sem sair do lugar. O objetivo é mover as<br />
peças de tal forma que, ao final, o rei adversário fique sem saída e abdique. O que<br />
se chama xeque-mate. No tabuleiro estão presentes as forças, cada uma delas com<br />
um potencial de fogo diferente. Os bispos se movendo sempre na diagonal. O<br />
cavalos se movendo aos saltos. As torres, nas horizontais e nas perpendiculares. Os<br />
peões, infantaria, andam na frente, um passo de cada vez. Serão as primeiras<br />
vítimas na batalha. E a rainha, poder supremo, que desliza nas horizontais, nas<br />
verticais e nas diagonais! Com certeza, o inventor do jogo morava num país em<br />
que quem mandava era a rainha, o rei sendo nada mais que um fantoche, um<br />
símbolo, uma simples bandeira, com pouquíssimo poder de ataque, e que fica o<br />
tempo todo se escondendo por saber que o exército inimigo está atrás dele. Há<br />
muitos estilos diferentes no jogo. Mas, qualquer que seja o estilo, uma coisa é<br />
certa: as regras são fixas. Os jogadores têm liberdade para escolher o estilo, mas<br />
não têm liberdade para escolher as regras. Não é possível jogar o jogo do poder<br />
com ética. Porque o poder não conhece limites. É insaciável. Quer crescer cada vez<br />
mais. Deseja ser absoluto. E a ética é um empecilho a essa pretensão. Não existe