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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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analisa-se o cocô em si mesmo: consistência, cor, cheiro, volume. A seguir,<br />

analisam-se os hábitos da pessoa em questão, tais como posição, expressões<br />

fisionômicas, frequência, se lê ou não jornais enquanto obra. Essa análise permite<br />

ao médico concluir se os cocôs em questão saem de um corrupto ou não. Um<br />

procedimento semelhante a esse, aplicado aos nossos congressistas, evitaria a<br />

chateação e a demora das intermináveis sessões de interrogatório e de pilhas de<br />

documentos a serem lidos. As televisões anunciariam simplesmente: “O<br />

Departamento de Escatologia Política, havendo analisado as fezes do<br />

excelentíssimo (nome da pessoa), chegou à seguinte conclusão (segue-se a<br />

conclusão)”. Tomar-se-iam então as providências legais cabíveis cientificamente<br />

justificadas. Mas não basta que os representantes do povo sejam honestos. O<br />

mundo está cheio de pessoas honestas e burras. Um deputado burro é uma<br />

vergonha nacional. Com base nessa constatação, apresento minha segunda<br />

proposta: todos os candidatos a representantes do povo, em todas as suas esferas,<br />

deverão passar por um exame vestibular antes de ser aceitos como candidatos.<br />

Ouvi dizer que há cidades cujos prefeitos têm dificuldade em assinar o próprio<br />

nome. Claro que isso deve ser intriga da oposição. Mas, da mesma forma que os<br />

produtos mais simples só podem ser oferecidos ao público depois de passados pelo<br />

controle de qualidade, julgamos que a mesma norma deve se aplicar aos<br />

candidatos a vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores,<br />

presidente. O exame seria muito simples, em nada parecido com os vestibulares.<br />

Não haveria questões sobre logaritmos neperianos, nem sobre a tabela periódica,<br />

nem sobre escolas literárias. Seriam questões tiradas do cotidiano da vida de um<br />

excelentíssimo. Por exemplo: a) “Justifique filosófica e praticamente a<br />

obrigatoriedade do uso da gravata nos espaços do Congresso”. Faço essa pergunta<br />

em parte movido pela curiosidade, porque não sei para que serve a gravata. Teria<br />

sido, nas suas origens, um guardanapo que se amarrava ao pescoço? Não posso<br />

admitir que um deputado ou senador faça alguma coisa sem saber por quê. b)<br />

“Justifique psicologicamente o uso obrigatório de ‘Vossa Excelência’ nos<br />

tratamentos nas sessões do Congresso.” Esse tratamento significa que aquele que<br />

está falando realmente acredita que o seu interlocutor é excelente? Tem de<br />

acreditar. Caso contrário, ele estaria mentindo, o que é imperdoável num<br />

representante do povo. De quais critérios se vale para determinar a excelência?<br />

Dada a suspeita de que há muitos corruptos no Congresso, não seria prudente<br />

suspender por um período de tempo esse tratamento? E isso porque um corrupto<br />

poderia alegar inocência afirmando, com razão, que todos o trataram por “Vossa<br />

Excelência” nos interrogatórios. Se ele é excelente, como poderia ser corrupto?<br />

Excelente é o superlativo de bom. Se, em vez de excelente, um congressista fosse<br />

tratado por “bom”, isso seria uma quebra do decoro parlamentar por parte daquele

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