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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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era: “Say ‘No’ to chinese textiles”. Dois ingleses, observando a cena, comentam:<br />

“Esses chineses são realmente imbatíveis...”. Há previsões de que, num futuro não<br />

muito distante, a China terá atingido o padrão de desenvolvimento dos Estados<br />

Unidos, da Alemanha e do Japão. Que coisa maravilhosa, não? Haver atingido esse<br />

padrão significa que os chineses consumirão, individualmente, tanta energia quanto<br />

consomem os habitantes dos países desenvolvidos. Um bilhão e meio de chineses!<br />

E aí a crise se anuncia: o petróleo não vai chegar para todos. A luta pelo petróleo<br />

não será resolvida por meios pacíficos. E com a queima de tanto combustível a<br />

temperatura do planeta se elevará. O derretimento das calotas polares já em<br />

andamento será acelerado. O nível dos oceanos subirá. E haverá uma série de<br />

consequências ecológicas, impossíveis de se prever. Esse é o preço do progresso.<br />

Os dinossauros, que consumiam energia demais, morreram. As lagartixas, que<br />

consumiam uma quantidade ínfima de energia, continuam vivas...<br />

No espírito de Jonathan Swift<br />

... atrevo-me a apresentar uma pequena proposta para se resolver o problema<br />

político do Brasil. O problema que mais ofende é a corrupção. Fiquei assombrado<br />

quando um deputado mostrou na televisão as pilhas de documentos que deveriam<br />

ser analisados pela CPI de que faz parte. Uma tonelada... Pensei: quanto tempo vai<br />

demorar? Ler tudo aquilo para se chegar a uma conclusão? O Brasil não pode<br />

esperar. Lembrei-me então das Viagens de Gulliver. Um dos países por ele visitado<br />

era notável por suas universidades e instituições de pesquisa científica. Lagado era<br />

o nome desse país erudito. Pois o Departamento de Política de uma das suas<br />

universidades estava trabalhando num projeto revolucionário, a pedido do governo.<br />

O rei estava preocupado com a possibilidade de sedição entre os parlamentares,<br />

talvez até mesmo um complô para matar o rei. Como descobrir esses inimigos da<br />

ordem pública? Responderam os cientistas: “É fácil, Majestade. Basta que se<br />

façam, periodicamente, análises das fezes daqueles sobre quem caem as suspeitas.<br />

Porque as intenções da alma se acham reveladas nos excelentíssimos cocôs. É no<br />

cocô que se encontra a somatização da sedição”. O rei ficou encantado com<br />

sugestão tão científica e à pesquisa concederam-se fundos generosos e sem limites<br />

que foram a felicidade dos pesquisadores. Acontece, entretanto, que os resultados<br />

da pesquisa foram negativos. Não porque a teoria estivesse errada, mas porque os<br />

cientistas se enganaram num ponto: a sedição não é somatizada no cocô, ela é<br />

somatizada na bílis verde. O que é somatizado no cocô é a corrupção. Isso só ficou<br />

claro através da sagacidade analítica de Freud, que demonstrou que,<br />

simbolicamente, cocô = dinheiro. Assim, chega-se ao caráter de uma pessoa<br />

através da análise do cocô e dos seus hábitos escatológicos. Em primeiro lugar,

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