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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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oupa nenhuma. O que viu foi o rei pelado exibindo sua enorme barriga, suas<br />

nádegas murchas e as vergonhas dependuradas. Com uma gargalhada, deu um<br />

grito que a multidão inteira ouviu: ‘O rei está pelado!’. Fez-se um silêncio profundo,<br />

seguido por uma gargalhada mais ruidosa que a salva de artilharia. E todos se<br />

puseram a gritar: ‘O rei está nu, o rei está nu...’. O rei tratou de tapar as vergonhas<br />

com as mãos e voltou correndo para dentro do palácio.” Agora vou contar a mesma<br />

estória com um fim diferente. Ela é em tudo igual à versão de Andersen, até o<br />

momento do grito do menino. “O rei está pelado!” Fez-se um silêncio profundo,<br />

seguido pelo grito da multidão enfurecida. “Menino louco! Não vê a roupa nova do<br />

rei! Menino burro!” Com estas palavras agarraram o menino e o internaram num<br />

manicômio. Moral da estória: Em terra de cego, quem tem um olho não é rei. É<br />

doido.<br />

O corpo<br />

Quando eu era jovem, a menor unidade do meu pensamento era o universo e a<br />

eternidade. Eu vivia no mundo dos deuses. Não havia percebido que meus deuses<br />

tinham pés de barro. Seus pés se esfarelaram, eles caíram e eu fiquei mais<br />

modesto. Troquei-os pelos heróis da política. Deixei os céus para os pardais e<br />

tornei-me um habitante do mundo. O marxismo era a grande religião. Ao<br />

envelhecer, dei-me conta de que também a política era muito grande para mim.<br />

Encolhi-me mais uma vez. Voltei ao meu corpo. É no corpo que vivo meu cotidiano.<br />

O corpo só conhece o presente.<br />

China<br />

Quando um assunto se torna tema para o humor dos cartunistas é porque já se<br />

tornou objeto de uma aflição coletiva. É o caso da economia chinesa, que está<br />

crescendo de uma forma assustadora, as grandes economias industriais ricas se<br />

revelando incapazes de lidar com o perigo que as ameaça. O preço das<br />

manufaturas chinesas é imbatível. Um pequeno estojo de delicadas chaves de<br />

fenda é vendido pelo preço de três reais! É ver e querer comprar, não pela<br />

utilidade, mas pelo preço. No campo dos têxteis, de forma especial, a indústria<br />

chinesa está arrasando as competidoras. Criou-se, então, o slogan: “Say ‘No’ to<br />

chinese textiles” – “Diga ‘Não’ aos têxteis chineses”. Em meio a esse pânico, os<br />

cartunistas já estão fazendo piadas. Vi, num jornal inglês, o seguinte cartoon: uma<br />

barraca de camelô que vende camisetas com os mais diferentes slogans. O dono,<br />

ao lado, um chinês sorridente. E entre as camisetas que ele vende, uma ocupava o<br />

lugar mais visível. A mais vendida. A que lhe dava mais lucro. O slogan nela escrito

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