Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves
Rapé é fumo raspado, em pó. Houve tempos em que era elegante cheirar rapé, o pó preto. Vendiam-se caixinhas de prata, à semelhança das caixas de fósforo, verdadeiras joias. Dentro ia um pedaço de fumo. De um lado, um minúsculo ralador. Ralava-se o fumo na hora para se obter um cheiro de qualidade superior, da mesma forma como, para se obter um bom café, o grão tem de ser moído na hora. Qual era a maneira elegante para se cheirar rapé? Primeiro, fechava-se uma das mãos, na horizontal. Depois esticava-se o dedão firmemente para cima. Ao fazer isso aparece, na junção da mão com o braço, um oco, produzido pelo tendão esticado do dedo. Nesse oco se coloca o pó. Aproxima-se então o pó de uma das narinas, tendo a outra tampada com o dedo indicador da outra mão. Respira-se com força, o pó entra pela narina e o espirro vem para o prazer do espirrante. Ainda é possível comprar rapé nas tabacarias. Eu mesmo tenho uma latinha que me foi dada por um amigo. Quem sabe seria possível substituir o pó branco pelo pó negro? Espirro dá prazer sem fazer mal. É preciso saber para passar no vestibular! Minha neta estava lendo um lindo livro de biologia. Ah! Como a biologia é fascinante! A vida! Mas não havia entusiasmo no seu rosto. Nem nada que se parecesse com curiosidade. Era mais uma expressão de tédio. Sei o que é isso. Há textos que reduzem o leitor a uma panqueca que se arrasta pelo chão. Arrasta-se porque tem que ler mas não quer ler. É por causa desses textos que Barthes disse que a preguiça é parte essencial da experiência escolar. Perguntei o que ela estava lendo. Ela me mostrou um parágrafo com o dedo. Era isso que estava escrito: “Além da catálase, existem nos peroxíssomos enzimas que participam da degradação de outras substâncias tóxicas, como o etanol e certos radicais livres. Células vegetais possuem glioxissomos, peroxissomos especializados e relacionados com a conversão das reservas de lipídios em carboidratos. O citosol (ou hialoplasma) é um coloide... No ciosol das células eucarióticas, existe um citoesqueleto constituído fundamentalmente por microfilamentos e microtúbulos, responsável pela ancoragem de organoides... Os microtúbulos têm paredes formadas por moléculas de tubulina...”. Encontrei ainda palavras que nunca lera: “retículo sarcoplasmático, complexo de Golgi, pinocitose, fagossomo, fragmoplasto, o padrão do axonema é constituído por 9+2, uma referência aos 9 pares de microtúbulos em torno de um par central”. Parece-me que essa última afirmação tem a ver com o rabo do espermatozoide, mas nesse momento os meus pensamentos já estavam tão confusos que não posso garantir. Não posso imaginar minha neta conversando sobre essas palavras com suas amigas ou seu namorado. Ele, eu acho, só vai se interessar pelo rabo do espermatozoide... Fico curioso: o
que é que o professor que escreveu esse texto imaginava que os adolescentes iriam fazer com ele? Li esse texto para um erudito professor de biologia. Sua reação foi: “Não entendi nada...”. Pocinhos do Rio Verde canhoneia Paris Quem suspeitaria que Pocinhos do Rio Verde, um lugarzinho bucólico, com matas, riachos, pássaros, um dia ajudou a canhonear Paris? Mas não foi por virtude de matas, riachos e pássaros. Foi em virtude do que havia nas montanhas vulcânicas, um metal raro, zircônio, bom para produzir aço para canhões. Desde o início do século XX, o zircônio era exportado para a Alemanha. Na guerra de 1914-1918, a Alemanha construiu três canhões gigantescos, de 420 mm de calibre, capazes de lançar granadas a 100 quilômetros de distância: Paris! O primeiro canhão explodiu no primeiro tiro, matando sua guarnição. Mas os outros dois, apelidados de “Berta” (com certeza, três irmãs gêmeas, de mau gênio...), conseguiram o seu objetivo. Bombardearam Paris. Minha hipótese para a explosão da primeira irmã Berta é que seu aço era de má qualidade, sem zircônio de Pocinhos. Pocinhos, quem diria, lugarzinho tão pacífico, tem essa mancha negra no seu passado... Mas Deus já perdoou. Foi sem querer... Essas informações se encontram no livro Memória da Companhia Geral das Minas (Poços de Caldas, Alcoa Alumínio). Nesse livro se encontra uma foto de Getúlio Vargas rodeado por pessoas importantes: todos vestidos em ternos de linho branco e calçados com sapatos brancos com ponta preta, lustrosa. O único urubu em meio a essas garças é um bispo... Afinal de contas: o que é que bispo tem a ver com mineração? Minas abençoadas produzem mais? Sobre o tamanho Se o maior fosse o melhor, o elefante seria o dono do circo. Novo slogan político Alguém escreveu num muro branco da Universidade do Porto, em Portugal, a sua exigência política: “Queremos mentiras novas!”. Quem o escreveu sabia das coisas. Sabia que seria inútil pedir o impossível: “Basta de mentiras!”. Na política, apenas as mentiras são possíveis. Mas ele já estava cansado das mentiras velhas, batidas, como piadas cujo fim já se conhece, que diariamente aparecem nos jornais. Mentiras velhas são um desrespeito à inteligência daqueles a quem são dirigidas. Que mintam, mas que respeitem a minha inteligência! Mintam usando a
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iriam fazer com ele? Li esse texto para um erudito professor de biologia. Sua<br />
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Pocinhos do Rio Verde canhoneia Paris<br />
Quem suspeitaria que Pocinhos do Rio Verde, um lugarzinho bucólico, com matas,<br />
riachos, pássaros, um dia ajudou a canhonear Paris? Mas não foi por virtude de<br />
matas, riachos e pássaros. Foi em virtude do que havia nas montanhas vulcânicas,<br />
um metal raro, zircônio, bom para produzir aço para canhões. Desde o início do<br />
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Alemanha construiu três canhões gigantescos, de 420 mm de calibre, capazes de<br />
lançar granadas a 100 quilômetros de distância: Paris! O primeiro canhão explodiu<br />
no primeiro tiro, matando sua guarnição. Mas os outros dois, apelidados de “Berta”<br />
(com certeza, três irmãs gêmeas, de mau gênio...), conseguiram o seu objetivo.<br />
Bombardearam Paris. Minha hipótese para a explosão da primeira irmã Berta é que<br />
seu aço era de má qualidade, sem zircônio de Pocinhos. Pocinhos, quem diria,<br />
lugarzinho tão pacífico, tem essa mancha negra no seu passado... Mas Deus já<br />
perdoou. Foi sem querer... Essas informações se encontram no livro Memória da<br />
Companhia Geral das Minas (Poços de Caldas, Alcoa Alumínio). Nesse livro se<br />
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vestidos em ternos de linho branco e calçados com sapatos brancos com ponta<br />
preta, lustrosa. O único urubu em meio a essas garças é um bispo... Afinal de<br />
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Sobre o tamanho<br />
Se o maior fosse o melhor, o elefante seria o dono do circo.<br />
Novo slogan político<br />
Alguém escreveu num muro branco da Universidade do Porto, em Portugal, a sua<br />
exigência política: “Queremos mentiras novas!”. Quem o escreveu sabia das coisas.<br />
Sabia que seria inútil pedir o impossível: “Basta de mentiras!”. Na política, apenas<br />
as mentiras são possíveis. Mas ele já estava cansado das mentiras velhas, batidas,<br />
como piadas cujo fim já se conhece, que diariamente aparecem nos jornais.<br />
Mentiras velhas são um desrespeito à inteligência daqueles a quem são dirigidas.<br />
Que mintam, mas que respeitem a minha inteligência! Mintam usando a