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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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aumenta um ponto, como mineiro acredito desacreditando. Me contaram do jeito<br />

seguro para saber se a onça está na tocaia. Primeiro é o cheiro. Quem quiser saber<br />

qual é o cheiro da onça é só visitar um zoológico. Depois é o barulhinho. Quando a<br />

onça está tocaiando, os entendidos me informaram, ela vai mexendo as orelhas<br />

para ouvir melhor. E quando ela mexe as orelhas, as orelhas fazem um barulho<br />

característico, um “clique” seco, como se fosse um galho quebrado. Assim, quem<br />

for andar por trilhas em Pocinhos, que preste atenção nos “cliques”. E cuidado se<br />

algum mineiro o convidar para pescar. Pois dizem que aconteceu de verdade. Um<br />

mineiro e um paulista estavam pescando, assentados à beira do rio, pitando um<br />

cigarrinho de palha, bebendo uma pinguinha, vida que se pediu a Deus – até que<br />

se ouviu um miado no mato. “Que miado é esse?”, perguntou assustado o paulista.<br />

“Acho que é miado de onça...”, respondeu o mineiro sem se mexer. Outro miado<br />

mais forte. “Parece que a onça está vindo pra cá”, disse o paulista. “É, está vindo<br />

pra cá”, disse calmamente o mineiro. Um outro rugido terrível. O paulista se<br />

apavorou. O mineiro calmamente abriu o embornal, tirou lá de dentro um par de<br />

tênis que se pôs a calçar. “Você está louco?”, disse o paulista. “Acha que vai correr<br />

mais depressa que a onça?” “Não, não vou correr mais depressa que a onça. O que<br />

eu quero é correr mais depressa que você...”<br />

Capim-gordura<br />

Quem experimentou o cheiro e a cor do capim-gordura não esquece mais. Menino,<br />

lá em Boa Esperança, meu tio João Gordo, que era extremamente magro, me<br />

pegava antes das seis da manhã para ir até a fazenda, para a ordenha das vacas.<br />

Os cavalos caminhavam sem pressa. Conheciam o caminho. Passadas as ruas da<br />

cidade, entrávamos na estrada de terra e tomávamos uma trilha à direita. A trilha<br />

quase não se via, coberta que estava pelo gordo capim-gordura que se derramava<br />

sobre ela. O silêncio, o cheiro dos cavalos, o barulho dos cascos no chão, o cricri<br />

dos grilos, a música da água de um riachinho que corria escondido sob o capim, a<br />

neblina e o perfume do capim... Isso faz parte da terra das Minas Gerais, terrasaudade.<br />

É pedaço de mim. Quem é mineiro sente dor só de lembrar. Depois,<br />

quando era maior, da janela do meu quarto eu via um campo de capim-gordura<br />

florido, ao longe. Cor-de-rosa. Quando o vento passava o rosa ondulava. As vacas<br />

gostavam. Acho que ficavam felizes e da sua felicidade saía o leite mais saboroso,<br />

o queijo mais perfumado, como aqueles queijos da serra da Canastra. Mas depois<br />

veio o tal do progresso e disseram que havia um capim mais forte, o tal de<br />

braquiária, africano. De fato, mais forte. Praga que uma vez plantada não há o que<br />

acabe com ela. As vacas comem por não ter outro. Mas se vingam. Seu leite não<br />

tem o mesmo cheiro. Os queijos não têm o mesmo perfume. Andando pelos

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