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para meus amigos que partiram para o outro mundo. Agora até mudei de ideia:<br />
estou plantando árvores para amigos que ainda não partiram. A minha própria<br />
árvore já está com mais de três metros. Pois a nova emoção é um cheiro diferente.<br />
É só ir lá para sentir. Antes era só tranquilidade, os cheiros conhecidos do capimgordura,<br />
dos assa-peixes, dos lírios-do-brejo. Pois agora tem um cheiro novo,<br />
cheiro de onça... “Eu senti o cheiro dela, quando andava na minha roça de<br />
mandioca”, contou-me um sitiante. É, as onças estão voltando. Confesso que fiquei<br />
feliz. Minha felicidade é porque estou me sentindo transportado para o passado, os<br />
lugares da minha meninice. Naqueles tempos, sim, as onças estavam por toda<br />
parte. Jeca Tatuzinho que o diga! Porque, depois de curado de suas lombrigas e de<br />
ter tomado três vidros do Biotônico, ele topou com um par de onças no mato.<br />
Ouviu o miado. “E eu aqui, sem nem mesmo uma faca...”, ele pensou. Mas medo<br />
não teve. Fincou firme as botinas no chão e esperou. A onça chegou, arreganhou a<br />
dentuça e pulou com um miado de fazer pedra tremer. Jeca Tatuzinho pregou-lhe<br />
um murro nas fuças que fez com que ela rolasse pelo chão. “Conheceu, papuda?!” –<br />
foi isso que ele foi dizendo enquanto a estrangulava com suas próprias mãos. A<br />
outra onça, vendo o que acontecia, tratou de pôr-se a salvo, e, se os boatos são<br />
verdadeiros, está correndo até hoje. Até o Pedrinho, neto da dona Benta, do Sítio<br />
do Pica-pau Amarelo, teve uma aventura com uma delas, das pintadas, numa de<br />
suas caçadas. Antigamente, quem morava na roça pensava em onça. Me lembro, lá<br />
na fazenda velha onde vivi. Todo mundo já tinha topado com onças, todo mundo<br />
contava estórias de onças. “Pois eu vinha pela trilha quando, de repente, a cara de<br />
uma onça apareceu atráis duma pedra. Peguei a espingarda, mirei no meio dos<br />
zoio e pum! – era uma veiz uma onça. Mas aí não aquerditei no que vi. A onça<br />
apareceu de novo. Imaginei que estava ruim dos zoio, que estava perdendo a<br />
pontaria. Mirei de novo. Pum! – era uma veiz uma onça! Pois não é quela apareceu<br />
de novo? E assim foi, a onça aparecendo, eu atirando, ela aparecendo de novo –<br />
seis veiz, seis veiz. Aí, ela num apareceu mais. Fui chegando, matreiro,<br />
descunfiado, pra vê atráis da pedra. E ocê num vai aquerditá nu qui eu vi: seis onça<br />
morta com um tiro no meio da testa...” Pois uma onça, daquelas cinzentas,<br />
suçuarana, tamanho de um cão pastor, matou a mula de um homem lá em<br />
Pocinhos. Ele chamou os amigos, reuniu a cachorrada, e lá foram em perseguição<br />
da onça. Encontraram. Mataram. Mas não adiantou. Apareceu uma outra, igual.<br />
Amigos e cachorrada encurralaram a dita. Ela subiu numa árvore. A cachorrada<br />
ficou embaixo, latindo. Aí um dos caçadores ponderou que era melhor chamar a<br />
Polícia Florestal. Veio o polícia, olhou para a onça encarapitada no galho alto da<br />
árvore, e deu o veredito: “Este lugar é terra da onça. Vocês são invasores. A onça<br />
fica. Ninguém mata. Vocês se mudem para outro lugar”. Não sei se foi isso mesmo<br />
que ele disse, mas foi o que me relataram. Mas, como quem conta um conto