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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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ons professores, eu os acompanhava encantado. Surfava nas suas ideias. Mas os<br />

professores medíocres me irritavam tanto que eu me vi forçado a pensar minhas<br />

próprias ideias. Comecei a pensar minhas próprias ideias como reação à<br />

mediocridade. Os teólogos medievais falavam sobre a opus proprium dei e opus<br />

allienum dei. A obra própria de Deus é quando ele faz a obra boa, diretamente,<br />

sem desvios. A obra estranha de Deus é quando ele faz uma coisa ruim para<br />

chegar à boa. Os bons professores são opus proprium dei. Os professores<br />

medíocres são opus allienum dei.<br />

Memória prodigiosa<br />

Conheci um homem de memória prodigiosa. Nela estavam estocadas as mais<br />

incríveis informações, minúcias que só se encontram em dicionários. Ele passaria<br />

em qualquer vestibular. Só que as milhares de informações que arquivara na sua<br />

memória estavam paralisadas, imóveis, como se estivessem arrumadas em<br />

prateleiras. O que ele sabia fazer era repeti-las. Mas não sabia pensar. O<br />

pensamento acontece quando as ideias adquirem vida, saem das prateleiras, se<br />

põem a dançar e fazem amor umas com as outras, produzindo ideias não pensadas<br />

anteriormente. É preciso notar: memória não é inteligência. Leia o fascinante conto<br />

de Jorge Luis Borges, “Funes, o memorioso”, no livro Ficções. E você compreenderá<br />

então que quem tem memória perfeita é incapaz de pensar.<br />

Só palavras...<br />

Na escola eu aprendi complicadas classificações botânicas, taxonomias, nomes<br />

latinos – que esqueci. Mas nenhum professor jamais chamou a minha atenção para<br />

a beleza de uma árvore ou para o curioso das simetrias das folhas. Parece que,<br />

naquele tempo, as escolas estavam mais preocupadas em fazer com que os alunos<br />

decorassem palavras que com a realidade para a qual elas apontam. As palavras só<br />

têm sentido se nos ajudam a ver melhor o mundo. Aprendemos palavras para<br />

melhorar os olhos.<br />

Lunetas e estrelas<br />

Havia um homem apaixonado pelas estrelas. Para ver melhor as estrelas, ele<br />

inventou a luneta. Aí formou-se uma escola para estudar a sua luneta.<br />

Desmontaram a luneta. Analisaram a luneta por dentro e por fora. Observaram os<br />

seus encaixes. Mediram as suas lentes. Estudaram a sua física óptica. Sobre a<br />

luneta de ver as estrelas escreveram muitas teses de doutoramento. E muitos

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