19.10.2015 Views

Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

a porta para um mundo grande. Pela leitura vivemos experiências que não foram<br />

nossas e então elas passam a ser nossas. Lemos a estória de um grande amor e<br />

experimentamos as alegrias e dores de um grande amor. Lemos estórias de<br />

batalhas e nos tornamos guerreiros de espada na mão, sem os perigos das<br />

batalhas de verdade. Viajamos para o passado e nos tornamos contemporâneos<br />

dos dinossauros. Viajamos para o futuro e nos transportamos para mundos que não<br />

existem ainda. Lemos as biografias de pessoas extraordinárias que lutaram por<br />

causas bonitas e nos tornamos seus companheiros de lutas. Lendo, fazemos<br />

turismo sem sair do lugar. E isso é muito bom.<br />

Queijos<br />

Será inútil escrever um tratado sobre queijos e torná-lo leitura obrigatória nas<br />

escolas de um país onde nunca se viu um queijo. A palavra “queijo” só tem sentido<br />

para quem já comeu queijo. A compreensão exige um antecedente de experiência.<br />

É preciso primeiro ter a experiência do queijo para depois entender um texto que<br />

fale de queijos. Só de brincadeira, vamos imaginar o que passaria pela sua cabeça<br />

ao ler um texto em que o autor diz: “O rato roeu o queijo do rei de Roma”, sem<br />

que você jamais tivesse visto um queijo! Sua cabeça iria se esforçar por<br />

compreender. Mas, como não tem experiência alguma de queijos, ela iria procurar<br />

no estoque de experiências que a memória guarda das coisas que um rei deve ter e<br />

que poderiam ser roídas por um rato: sapatos, chapéus, livros, bolos, cuecas,<br />

camisas, cintos, meias... A única coisa que não sairia do estoque de experiências<br />

que a memória guarda seria um queijo. Daí a afirmação de Nietzsche de que, ao<br />

ler, os leitores tiram do seu estoque de experiências... as suas próprias<br />

experiências. Então estamos condenados a nunca sair das bolhas em que vivemos?<br />

Podemos sair desde que usemos uma chave chamada “a arte da desconfiança”...<br />

Ao ler sobre os queijos que nunca comeu, você poderia, roído pela curiosidade,<br />

fazer uma pesquisa à procura do país dos queijos. Você iria até lá, comeria um<br />

queijo e diria: “Agora sei o que é um queijo...”. É preciso, antes de mais nada,<br />

desconfiar do nosso estoque de experiências, colocar as nossas certezas de lado.<br />

Aqueles que imaginam que o mundo é do tamanho de suas experiências ficam<br />

autoritários. Frequentemente inquisidores. É preciso rezar diariamente a reza que<br />

Karl Popper nos ensinou: “Nós não temos a verdade. Nós só podemos dar<br />

palpites...”.<br />

Professores medíocres<br />

De repente senti uma gratidão inesperada pelos meus professores medíocres. Os

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!