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A CIDADE E AS SERRAS

Untitled - Luso Livros

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De manhã, lavei a pele num banho profundo, perfumado com todos osaromas do 202, desde folhas de limonete da Índia até essência de jasmim deFrança: e lavei a alma com uma rica carta da tia Vicência, em letra farta,contando da nossa casa, e da linda promessa das vinhas, e da compota de ginjaque nunca lhe saíra tão fina, e da alegre fogueira do pátio em noite de S. João,e da menininha muito gorda e cabeluda que viera do Céu para a minhaafilhada Joaninha. Depois, à janela, bem limpo de alma e de corpo, numaquinzena de sedinha branca, tomando chá de Naipó, respirando os rosais dojardim revividos pela chuva da madrugada, considerei, em divertido pasmo,que, durante sete semanas, me emporcalhara, na Rua do Helder, com umestardalho muito magro e muito tisnado! E concluí que padecera de umalonga sezão, sezão da carne, sezão da imaginação, apanhada num charco deParis nesses charcos que se formam através da Cidade com as águas mortas,os limos, os lixos, os tortulhos e os vermes de uma Civilização que apodrece.Então, curado, todo o meu espírito, como uma agulha para o norte, se viroulogo para o meu complicado Príncipe, que, nas derradeiras semanas da minhainfeção sentimental, eu entrevira sempre descaído por cima de sofás, ouvagueando através da Biblioteca entre os seus trinta mil volumes, comarrastados bocejos de inércia e de vacuidade. Eu, na minha pressa indigna, sólhe lançava um distraído «Que é isso?» Ele, no seu moroso desalento, sómurmurava um seco «É calor!»

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