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A CIDADE E AS SERRAS

Untitled - Luso Livros

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sob que se acama e agasalha a frialdade dos vales; um toque sonolento de sinoque rola pelas quebradas; o segredado cochichar das águas e das relvas escuras— eram para ele como iniciações. Daquela janela, aberta sobre as serras,entrevia uma outra vida, que não anda somente cheia do Homem e dotumulto da sua obra. E senti o meu amigo suspirar como quem enfimdescansa.Deste enlevo nos arrancou o Melchior com o doce aviso do « jantarinho deSuas Incelências». Era noutra sala, mais nua, mais abandonada — e aí logo àporta o meu supercivilizado Príncipe estacou, estarrecido pelo desconforto,escassez e rudeza das coisas. Na mesa, encostada ao muro denegrido, sulcadopelo fumo das candeias, sobre uma toalha de estopa, duas velas de sebo emcastiçais de lata iluminavam grossos pratos — de louça amarela, ladeados porcolheres de estanho e por garfos de ferro. Os copos, de um vidro espesso,conservavam a sombra roxa do vinho que neles passara em fartos anos defartas vindimas. A malga de barro, atestada de azeitonas pretas, contentariaDiógenes. Espetado na côdea de um imenso pão reluzia um imenso facalhão.E na cadeira senhorial reservada ao meu Príncipe, derradeira alfaia dos velhosJacintos, de hirto espaldar de couro, com a madeira roída de caruncho, a clinafugia em melenas pelos rasgões do assento puído.Uma formidável rapariga, de enormes peitos que lhe tremiam dentro dasramagens do lenço cruzado, ainda suada e esbraseada do calor da lareira,entrou esmagando o soalho, com uma terrina a fumegar. E o Melchior, que

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