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CORAÇÃO CABEÇA E ESTÔMAGO

Untitled - Luso Livros

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seus músculos reforçados; pisava com gentil desenvoltura; dizia com toda alisura as suas primeiras impressões; ria-se com os chistes dos galãs que tinhamgraça; ouvia sentimentalmente as tristezas dos céticos; doidejava nas vertigensda valsa; bebia o seu cálice de Porto; comia com angélico despejo uma dezenade sanduíches; tornava para as danças com redobrado ardor; e, ao repontar damanhã, quando as flores da cabeça lhe caiam murchas e as trancinhas damadeixa se empastavam com o suor da testa, a mulher do Porto era aindaformosa, mais formosa ainda pelo cansaço, a disputar lindeza à aurora, quenascera para lhe disputar a beleza.E eu, vendo-as, pensava nisto e sentia não ter coração para elas!Ai!, dez anos depois, a mulher do Porto já não era assim, não!Tinha passado por elas o bafo pestilencial do romance. Liam e morriam para averdade e para a natureza legítima. Invejavam a palidez das pálidas e aespiritualidade das magras. Tal menina houve que bebeu vinagre com pó detelha; e outras, mais suspirosas e avessas ao vinagre, desvelavam as noitesemaciando o rosto à claridade doentia da lua. Algumas tossiam constipadas equeriam da sua tosse catarrosa fingir debilidade do peito, que não pode com ocoração. Muitas, à força de jejuns, desmedravam a olhos vistos e amolgavamas costelas entre as compressas de aço do colete.Estas não são já as mulheres que eu vi, sadias e frescas, como se saíssem doparaíso terreal, antes que o autor da vida as condenasse às dores e à morte.Foi o romance que degenerou as raças, porque lá de França todas as heroínas,em 8.° e a 200 réis ao franco. Vêm definhadas, tísicas, em jejum natural,tresnoitadas, levadas da breca. Nunca se dá que os romancistas, nos digam oque elas comem, quantas horas dormem, quantos cozimentos de quássiatomam para dessaburrar o estômago, qual género de alimento preferem, quedoutrinas de higiene adotaram, quantos amantes afagam para cicatrizarem osgolpes da perfídia com o pêlo do mesmo cão. Mal haja uma literatura quetranstorna fundamentalmente a digestão e o sono, estes dois poderosos esteioda saúde, da graça, da formosura e de tudo que é poesia e gozo neste mundo!Se alguma vez o romancista nos dá, no primeiro capítulo, uma menina bemfornida de carnes e rosada e espanejada como as belas dos campos, é contarque, no terceiro capítulo, ali a temos prostrada numa otomana, com olheiras arevelar o cavalo do rosto, com a cintura a desarticular-se dos seus engonços,com as mãos translúcidas de magreza, os braços em osso nu e os olhosapagados nas órbitas, orvalhadas de lágrimas.

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