Devo a este lorpa a popularidade que alcancei logo aos primeiros dias daminha chegada. Àqueles sarcasmos respondi com um murro de consistênciaprovinciana, murro que devia também ter a cor local da pesada digestão dascastanhas. O literato desafiou-me e teve a bravura de me propor um duelo àpistola à ponta de lenço. Responderam os meus padrinhos que eu optava pelomurro à ponta do nariz. Com esta pequena modificação à sua proposta, olocalista retirou a honra da peleja e desafogou na secção das locais, chamandomeonagro e vários adjetivos, cujo período eu lhe arredondei com um puxãode orelhas na primeira ocasião.Assim, pois, inaugurei a minha entrada no Porto.***Naquele tempo, a cidade heroica estava muito mais adiantada empoliciamento que hoje. Uma dúzia das principais famílias abriamfrequentemente os seus salões e rivalizavam na profusão do serviço. Comia-semuito.Posto que os dissabores fundos da minha vida passada me fizessem ver comtédio os regalos da sociedade, fui obrigado pela minha posição nas letras acomparecer nos focos da civilização. Escrevi alguns folhetins, historiando osprazeres fictícios daquelas noitadas, e mediante eles granjeei a estima dasdonas da casa; e quer-me parecer que, se eu tivesse coração naquela época, asvirtudes da cidade da virgem seriam hoje uma coisa muito equívoca.Como detesto a fatuidade, inibo-me de contar as demonstrações mais oumenos recatadas que recebi de singular afeto.Não intento desdourar as demais senhoras de Portugal dizendo que as há noPorto que se avantajam em formosura a quantas conheço, exceto a leitora.A mulher do Porto, como ela era há quinze anos, estava por adelgaçar,gozava-se de cores ricas de bom sangue; era redonda e brunida em todas assuas formas; o ofegar do seu peito comprimido pelas barbas do colete eracomo a oscilação de uma cratera que vai romper à superfície; dardejava comos olhos; ria francamente com os lábios inteiros; deixava ver o esmalte dosdentes e o rosado das gengivas; meneava os braços com toda a pujança dos
seus músculos reforçados; pisava com gentil desenvoltura; dizia com toda alisura as suas primeiras impressões; ria-se com os chistes dos galãs que tinhamgraça; ouvia sentimentalmente as tristezas dos céticos; doidejava nas vertigensda valsa; bebia o seu cálice de Porto; comia com angélico despejo uma dezenade sanduíches; tornava para as danças com redobrado ardor; e, ao repontar damanhã, quando as flores da cabeça lhe caiam murchas e as trancinhas damadeixa se empastavam com o suor da testa, a mulher do Porto era aindaformosa, mais formosa ainda pelo cansaço, a disputar lindeza à aurora, quenascera para lhe disputar a beleza.E eu, vendo-as, pensava nisto e sentia não ter coração para elas!Ai!, dez anos depois, a mulher do Porto já não era assim, não!Tinha passado por elas o bafo pestilencial do romance. Liam e morriam para averdade e para a natureza legítima. Invejavam a palidez das pálidas e aespiritualidade das magras. Tal menina houve que bebeu vinagre com pó detelha; e outras, mais suspirosas e avessas ao vinagre, desvelavam as noitesemaciando o rosto à claridade doentia da lua. Algumas tossiam constipadas equeriam da sua tosse catarrosa fingir debilidade do peito, que não pode com ocoração. Muitas, à força de jejuns, desmedravam a olhos vistos e amolgavamas costelas entre as compressas de aço do colete.Estas não são já as mulheres que eu vi, sadias e frescas, como se saíssem doparaíso terreal, antes que o autor da vida as condenasse às dores e à morte.Foi o romance que degenerou as raças, porque lá de França todas as heroínas,em 8.° e a 200 réis ao franco. Vêm definhadas, tísicas, em jejum natural,tresnoitadas, levadas da breca. Nunca se dá que os romancistas, nos digam oque elas comem, quantas horas dormem, quantos cozimentos de quássiatomam para dessaburrar o estômago, qual género de alimento preferem, quedoutrinas de higiene adotaram, quantos amantes afagam para cicatrizarem osgolpes da perfídia com o pêlo do mesmo cão. Mal haja uma literatura quetranstorna fundamentalmente a digestão e o sono, estes dois poderosos esteioda saúde, da graça, da formosura e de tudo que é poesia e gozo neste mundo!Se alguma vez o romancista nos dá, no primeiro capítulo, uma menina bemfornida de carnes e rosada e espanejada como as belas dos campos, é contarque, no terceiro capítulo, ali a temos prostrada numa otomana, com olheiras arevelar o cavalo do rosto, com a cintura a desarticular-se dos seus engonços,com as mãos translúcidas de magreza, os braços em osso nu e os olhosapagados nas órbitas, orvalhadas de lágrimas.
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Aconselhas-me que não vá a Carnid
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O amor inventou-o depois o estragam
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Tomásia retirou as mãos. Não sei
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