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CORAÇÃO CABEÇA E ESTÔMAGO

Untitled - Luso Livros

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O prurido de escrever correspondências a respeito doutras muitas coisas, emormente da dotação do clero — matéria que veio a ponto, quando eu tiveuma questão com o meu pároco por causa da côngrua e pé-de-altar —,insinuou-me a persuasão de que havia em mim pronunciadas tendências paraescritor político. Discutia-se naquele tempo o Sr. Conde de Tomar, a quemuns chamavam Barba- Roxa e outros marquês de pombal. Decidi-me a favordos segundos, que tinham incontestável razão. Escrevi uma série de artigos,como muito suco, em grande parte copiados do Dicionário Político deGarnier-Pagés; e, na parte da minha lavra, havia ali uma verdura de ideias queninguém lhe metia dente. Por essa ocasião recebi de vários pontos do Paísdiferentes cartas, umas insultadoras, capitulando-me de besta; outras, no maismoderado dos seus encómios, profetizavam em mim o Girardin português.De Mirandela recebi a lisonjeira nova de se andarem quotizando algunsamigos da ordem para me oferecerem uma pena. Veio a pena, passado algumtempo; mas era uma pena de galinhola, uma zombaria que eu repeli com todasas potências do meu desprezo.Como as minhas doutrinas andassem encontradas com as do regador e dopároco — afeiçoados à revolução militar de 1844 —, maquinaram eles contramim ciladas, que me iam sendo fatais, sob pretexto de eu ser partidário do Sr.Costa Cabral. As sevícias do rancor chegaram ao extremo de me mataremuma cabra, que pastava no passal do vigário, e aleijaram-me uma égua, quenum ímpeto de castidade, escoiceara um garrano do regedor. Estasprepotências eram indicadas de algum grande atentado contra minha vida. Saí,portanto, da minha aldeia e fui para o Porto expor com desassombro ao sol dacivilização os meus talentos em matéria de governação pública.Fiquei grandemente surpreendido e embaçado quando cheguei ao Porto e deifé que ninguém se ocupava a falar de mim! À mesa-redonda do hotel onde mehospedei tratou-se o assunto da política; e, como era essa a feliz conjunção deeu divulgar o meu nome, encaminhei habilmente a controvérsia, até medeclarar Silvestre da Silva, autor dos artigos epigrafados “Os Portugueses nabalança do mundo”.Ninguém me conheceu o nome, a não ser um literato localista, que teve aaudácia de me dizer que os meus artigos tresandavam ao montezinho e que asminhas ideias entouriam o estômago intelectual como se fossem castanhascozidas. Donde ele concluía que a minha literatura tinha a cor local dos meusalimentos e denunciavam a morosidade das minhas digestões.

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