espedaçava. Apenas conheci a casa em que estava, quis fugir; mas fuiestorvada pelo homem que me chamara. Era um amigo do barão.Voltei a casa com uma peça de ouro e escondi das minhas irmãs a ignomíniadaquele dinheiro. Inventei uma história, fiz o elogio da generosidade de umbenfeitor, e as minhas irmãs, erguendo as mãos a Deus, pediram-lhe a saúdedele. Então ri-me... riso atroz!... creio que me ri da Providência... e, a falar averdade, não sei bem do que me ri...Calou-se Marcolina, obrigada pela tosse e pelo vómito de sangue. Ampareilhea cara nas minhas mãos; esperei que sossegasse e disse-lhe:— E as lágrimas?... Tinhas-me dito que chorarias, infeliz!...Pois não vê as lágrimas no sangue? — disse ela, sorrindo. — Os olhos já nãoas têm.— Não quero ouvir mais — tornei eu.— Não tem mais que ouvir... O que falta é...— A duração da desgraça com um só meio de remediá-la...— Decerto...— Que fazias ontem no Cais do Sodré?— Pedia coragem ao meu demónio para me matar; mas vi minhas irmãs,ou o demónio mas mostrava, para que o meu inferno se não acabasse.— Basta. Esta noite partiremos para Lisboa. Confias de mim o teu destinoe o das tuas irmãs? — disse-lhe eu, sem calcular o cargo que me impunha epensando apenas na quantia que podia dispor.Marcolina sorriu-se e disse:— Que generosa alma a sua! Não sabe em que mundo está!...***Poucos dias depois da minha volta de Sintra, as três irmãs de Marcolinaentraram num recolhimento, a título das minhas parentas.
Marcolina saiu de Lisboa comigo e entrou na minha casa na província. Estavajá morta, a minha mãe. Os meus vizinhos escandalizaram-se de me verem emconcubinagem, e o pároco da freguesia deixou de me visitar, e o boticárioproibiu as filhas de me falarem, e o regedor recomendou à mulher que nãofizesse conhecimento com a lisboeta, que tinha cara de pecado.A minha aldeia é penhascosa, feia e triste. Marcolina amava os rochedos, e assombras das matas, e ajoelhava às cruzes que encontrava nas veredas por ondeandava sozinha, e dobrava-se rente com o chão para beber das fontes térreasem que borbulhava a água. Retingiram-se-lhe as faces e cessou algum tempo atosse. Já subia comigo aos píncaros das serras, quando eu caçava; trazia aotiracolo a saca de malha com a merenda, e por lá, naqueles vales, onde osmedronheiros e avelãzeiras vinham a terra com frutos, era de ver as delíciascom que ela comia, por igual comigo, as grosseiras iguarias que levávamos.Entrou o Outono, e logo notei a desmedrança e abatimento de Marcolina. Adecomposição parece que se via, como se os vermes lhe andassem roendo jáperto da epiderme. Quis voltar com ela a Lisboa; mas achei-a pertinaz em nãosair da aldeia. Dizia-me que fosse eu distrair-me e que a deixasse ali acabar osseus dias.Poucos tinha ela já de vida, quando a mais velha das irmãs lhes escreveucontando que o pai voltara rico de África e pusera anúncios nos jornaisindagando notícias da sua mulher e filhas. Dizia mais que ele fora aorecolhimento e chorara de alegria vendo-as; mas logo se enfurecera quandoelas lhe falaram da mãe. Acrescentava que ele, sabendo que devia à enteada orefúgio das suas irmãs, estava ansioso por vê-la, e pedia-lhe que voltasseimediatamente a Lisboa.Esta carta deu delírios de júbilo a Marcolina. Fez por vigorizar-se para ajornada, não tanto para testemunhar a felicidade das irmãs como para pedir aopadrasto que não desamparasse sua mulher. A esperança apagou-se súbita,quando preparávamos a partida. Fui, uma tarde, à vila próxima compraralguns aprestos para a jornada, e quando voltei estava Marcolina nos últimosarrancos. Agitou-se vertiginosamente quando me viu apertou-meansiosamente contra o coração e murmurou:— Agora... e só agora me atrevo a dizer-te que te amei... Deixo-te a eternalembrança da desgraçada que só à hora da morte se julga digna de ti...Morreu.
- Page 2 and 3:
CORAÇÃO, CABEÇAE ESTÔMAGOCASTEL
- Page 4 and 5:
PREÂMBULO— O meu amigo Faustino
- Page 6 and 7:
Em 1855 notamos a transfiguração
- Page 8 and 9:
PRIMEIRA PARTECORAÇÃO
- Page 10 and 11:
eceando que o pai se casasse com a
- Page 12 and 13:
***A segunda era também minha vizi
- Page 14 and 15:
me seduzia com o suplemento dos bur
- Page 16 and 17:
Eu queria comunicar a exuberância
- Page 18 and 19:
— Perfeitissimamente. Queria dize
- Page 20 and 21:
saracoteava-se tão peneirada nas e
- Page 22 and 23:
Viu-me, fitou-me; não sei se corou
- Page 24 and 25:
Aconselhas-me que não vá a Carnid
- Page 26 and 27: Cibrão convenceu-me de que o amor
- Page 28 and 29: Quando voltei a Lisboa, em começo
- Page 30 and 31: Hoje, aí!, hoje um céu de negro,
- Page 32 and 33: médico. Fiz, pois, de mim uma cara
- Page 34 and 35: parava, olhando para as janelas, qu
- Page 36 and 37: com tanto afeto que o próprio gali
- Page 38 and 39: Devia ser à hora em que ela descia
- Page 40 and 41: ***No dia imediato fui, purpureado
- Page 42 and 43: O sino do mosteiro dominicano respi
- Page 44 and 45: processo, a não me valerem alguns
- Page 46 and 47: — Será...— A fidalga é uma do
- Page 48 and 49: angelicamente inocentes que dão ar
- Page 50 and 51: Na rocha alpestreVaga SilvestreTodo
- Page 52 and 53: — Vou — respondi —; mas, se t
- Page 54 and 55: CONCLUSÃOQuando voltei a Lisboa, r
- Page 56 and 57: À imitação desta, podia eu conta
- Page 58 and 59: Outro bardo, que tem na terra amore
- Page 60 and 61: serra; erraste uma vista, de quem s
- Page 62 and 63: eleza me encanta; mas já não sere
- Page 64 and 65: no separarmo-nos. Neste intervalo,
- Page 66 and 67: Anuiu a tudo, menos ensinar-me a es
- Page 68 and 69: Dum arremesso, entrou no meu quarto
- Page 70 and 71: Nunca mais vi a mestra, nem tive pe
- Page 72 and 73: Não lhe ocultei os haveres, que eu
- Page 74 and 75: chávenas de café e não provou ne
- Page 78 and 79: Não posso bem dizer o que senti ne
- Page 80 and 81: CAPÍTULO IJORNALISTAO homem não s
- Page 82 and 83: Devo a este lorpa a popularidade qu
- Page 84 and 85: Pouca gente alcança os limites do
- Page 86 and 87: lutar com a indiferença pública,
- Page 88 and 89: Falei com D. Justina Mendes, e para
- Page 90 and 91: Contempla as graças da gentil meni
- Page 92 and 93: Onde entesoura imagem prediletaDa m
- Page 94 and 95: A esposa diz que já n'alma lhe dó
- Page 96 and 97: páginas; mas, sobre ser deslealdad
- Page 98 and 99: inermes —, seriam pelo seu mesmo
- Page 100 and 101: Sabido isto, respirou um pouco a ma
- Page 102 and 103: Francisco José de Sousa prezava no
- Page 104 and 105: Porto — a suspeita de que a sua m
- Page 106 and 107: ela, com um brilho de alegria só c
- Page 108 and 109: Guardava eu as justas conveniência
- Page 110 and 111: — Nada, não declaro.— Como?!
- Page 112 and 113: NOTAO autor remata aqui o período
- Page 114 and 115: Do mundo elegante são excluídas a
- Page 116 and 117: Os meus estudos patológicos atuam
- Page 118 and 119: O vestíbulo do teatro lírico seri
- Page 120 and 121: deliciosa para o olfato. Segue-se u
- Page 122 and 123: CAPÍTULO IDE COMO ME CASEIProcurei
- Page 124 and 125: excruciei a estúpida ferocidade co
- Page 126 and 127:
de foguetes de três estalos, e eu
- Page 128 and 129:
monte, que lá chamam mentrasto; e
- Page 130 and 131:
— Pois se quer vir daí à casa d
- Page 132 and 133:
Fui consultado acerca da passagem o
- Page 134 and 135:
— Pois olhe que nunca mais me esq
- Page 136 and 137:
***Depois de ceia, Tomásia saiu a
- Page 138 and 139:
Ao amanhecer do dia seguinte ouvi a
- Page 140 and 141:
— É para o caminho — disse ela
- Page 142 and 143:
O amor inventou-o depois o estragam
- Page 144 and 145:
Tomásia retirou as mãos. Não sei
- Page 146 and 147:
da peregrinação — Deus sabe qu
- Page 148 and 149:
Vi-o na Foz, e conheci então a Sra
- Page 150 and 151:
Ó tempos patriarcaisDeixai que pos
- Page 152 and 153:
O usuário o deraEm troca do servi
- Page 154 and 155:
Quero pôr a descobertoSeus planos
- Page 156 and 157:
Os diques da inspiraçãoRompem-se
- Page 158 and 159:
Os versinhos, doce prenda,Cada vez
- Page 160 and 161:
cicatrizes e instilasse nelas o ven