chávenas de café e não provou nenhuma bebida espirituosa. À quarta ouquinta chávena, teve um acesso violento de tosse, que terminou com um golfode sangue. Saiu do quebranto em que ficara com as faces emaciadas e lívidas.Pediu-me perdão do dissabor da sua doença e prontificou-se, se eu queria, a ircontar-me o restante da sua vida, à sombra das árvores. Desisti da minhacuriosidade, dispensando-a de falar naquele dia em coisas que a fizessemchorar e me comovessem a mim. Não quis. Aceitou-me o braço e saímos. Àsombra da primeira árvore, distante dos grupos que a viram passar e nosolhavam com um sorriso de escárnio ou de piedade da minha libertinagem,sentou-se Marcolina, e recomeçou com as últimas palavras que dissera antesde jantar:— Felizes os que choram... E a única felicidade que eu posso dar-lhe. — Eprosseguiu, depois de recordar o facto em que ficara suspensa a história:Augusto, apesar das minhas instâncias, pouco sinceras, falou-me do seu amorincessantemente; com tanto respeito, porém, o fazia, quer eu estivessesozinha, quer com as minhas irmãs, que me cativou a gratidão. Mal sabe omundo quanto a mulher indigna de respeito sabe ser agradecida a quem tevecom ela a comiseração do recato nas palavras e nos gestos!... A infeliz passa daestranheza à alegria de se ver ainda tratada com delicadeza, quando aconsciência, o seu verdugo, lhe está dizendo que não merece inspirarsentimento algum, que não seja aviltante ou desonesto. Foi assim que meprendeu Augusto, sem me despertar o amor doutro tempo. Sentia que o nãoamava e mentia-lhe, querendo retribuir a sua generosidade cavalheirosa. Odesapego do meu coração era incompreensível. Na minha vida só se tinhamdado os infortúnios que lhe contei. Não gastara a sensibilidade; amara-oapenas a ele; e, sem ter sido enganada pela sedução de algum homem,sinceramente lhe digo que me inclinava a odiá-los todos. Creio que melevaram a isto as desgraças da minha irmã falecida. Cuidei que todos ossentimentos de dignidade lhos tinham matado os homens, reduzindo-a àhediondez de corpo e alma em que a vi.As conversações de augusto tendiam todas ao casamento. Contrariei-as comsimulada repugnância; mas na minha alma antevia a felicidade de ter ummarido, que nunca me havia de pedir contas do meu passado. Além disso,meditando nos costumes de Augusto, no seu viver, na sua aplicação aosestudos, e no plano que tinha de se retirar para uma província logo queestivesse formado, achava-o mais perfeito do que eu podia merecê-lo: parecia-
me que qualquer menina sem mancha na sua reputação e com um bom dotese devia dar por bem-aventurada com tal marido.Casei.Acredite que eu não tive um mês de contentamento. Sou obrigada a crer quehá em mim desgraça contagiosa. Augusto transfigurou-se, se não era hipócrita;ou o demónio do meu destino lhe entrou no espírito para me atormentar semtréguas, nem fim. Eu não posso demorar-me a contar-lhe pelo miúdo odesconcerto em que vivemos. Augusto era libertino, dissipador, jogador, e atéembriagado o vi muitas vezes. Como se explica esta mudança, a não ser pelaprecisão de mudar-se tão espantosamente um homem que devia ser o meuflagelo?! Mas Porquê? Em que era eu criminosa para tal castigo? Que malfizera eu a Deus ou à sociedade? Não fui causa a que o barão deixasse amulher, porque já a tinha abandonado quando me levou para si. Fui boa coma minha mãe e com as minhas irmãs. Lembra-me agora se o meu crime erapossuir alguns contos de réis das joias que me tinham sido dadas, e que euescondi aos direitos da herdeira. Mas a minha desonra e repulsão dentre aspessoas virtuosas não valia alguma coisa?Seriam as joias, seriam, meu amigo... É certo que o meu marido em dois anosdissipou tudo, tudo. As inscrições vendeu-as; o resto dos braceletes, anéis,cadeias, relógios, tudo com razão ou sem ela, com violência ou brandura, melevou de casa. Restavam-me os móveis, quando, depois de esperar três diaspor Augusto, recebi dele uma carta em que me dizia adeus para sempre. Nãosei se saiu do País, se se matou. Há três anos que o não vi, nem os seuscondiscípulos tiveram noticias dele.Ficaram comigo três irmãs, e a minha mãe na sua casa, vivendo da mesada queeu lhe dera até ao fim, já quando a furtava à boca e à decência do vestir.Chamei minhas irmãs, que eram já mulheres, e disse-lhes que era necessáriomorrermos todas. Ouviram-me espavoridas. Disse-lhes que a morte erasimples e rápida se acendêssemos dois fogareiros num quarto e fechássemosportas e janelas. Lançaram-se a mim a chorar. Não queria morrer.Fui vendendo a roupa e os móveis. Perto estava já o dia da fome irremediável,quando fui convidada a procurar em determinada casa um homem quedesejava tirar-me da miséria. A encarregada deste convite era uma mulher quetinha estabelecimento público de infâmia. Fui?... Fui... O meu amigo, porqueminhas irmãs tinham vendido na véspera as suas camisas e a minha mãe já trêsvezes tinha vindo à minha porta pedir esmola com um ar de zombaria que me
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excruciei a estúpida ferocidade co
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de foguetes de três estalos, e eu
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monte, que lá chamam mentrasto; e
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Fui consultado acerca da passagem o
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***Depois de ceia, Tomásia saiu a
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Ao amanhecer do dia seguinte ouvi a
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O amor inventou-o depois o estragam
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Tomásia retirou as mãos. Não sei
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Vi-o na Foz, e conheci então a Sra
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Ó tempos patriarcaisDeixai que pos
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O usuário o deraEm troca do servi
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Quero pôr a descobertoSeus planos
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Os diques da inspiraçãoRompem-se
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Os versinhos, doce prenda,Cada vez
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cicatrizes e instilasse nelas o ven