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CORAÇÃO CABEÇA E ESTÔMAGO

Untitled - Luso Livros

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E, ao mesmo tempo, tamanha aversão me fazia o outro de quem o meu corpoera escravo que já mal podia dissimulá-la.Conseguiu Augusto que eu lhe falasse, quando saísse a passeio. Mandei pôr oscavalos à sege quando o barão estava fora. Apeei-me em S. Pedro deAlcântara e desci ao jardim, onde Augusto me esperava. Balbuciou a repetiçãodo que me tinha escrito, sem ousar tocar-me a trémula mão, nem eu ousavaoferecer-lha. Conheci que a minha riqueza o humilhava, lembrei-me então queaquele rapaz, se me visse numa pobre casa com modestos trajos, havia deamar-me expansivamente! Que falsos juízos forma o coração que se nãovendeu o corpo. Que grande bem seria poder a mulher despojar-se da purezada alma quando se desonra!O barão teve aviso de que eu me encontrara com o guarda-livros. Nada maisnatural! Como pensara eu que os criados me não espreitassem! Cegava-me arazão, o amor e o desejo impetuoso da liberdade. Já se me não dava que ele osoubesse e me expulsasse. Jussara até comigo de lhe dizer a verdade,provocando- me o barão a dizê-la.Foi o que sucedeu. À primeira queixa do homem assanhado pelo ciúmerespondi que certissimamente amava Augusto; que queria passar do crimefaustoso para a virtude na pobreza; que era muito infeliz na vida que tinha; eque só com amor se podia suportar a vergonha de ser banida da sociedade.Espantou-se do meu desembaraço o barão e cobriu-me de injúrias; dasinjúrias passou às lágrimas; das lágrimas tornou aos insultos; e quando eumenos podia esperar uma vilania sem nome, deu-me uma bofetada. Levei asmãos ao rosto e quase perdi os sentidos. Quando abri os olhos, desvariadosde angústia, o barão estava ajoelhado aos meus pés e dizia: ‘Eu não sou, hámuito, teu marido porque não posso sê-lo, porque nunca te disse que soucasado e que tenho a mulher no Brasil. Espera que ela morra, e então serásminha mulher. A sociedade te respeitará então o título, a riqueza e a virtude deme teres sido fiel.’Não sei que mais lhe ouvi, que parecia aumentar o sentimento de abominaçãoagravado pelas súplicas depois do insulto. Afastei-me e escrevi-lhe, a despedirme.Devia de ser-lhe nova e aflitiva surpresa quando viu a minha carta escritacom boa letra e rancorosa eloquência com que eu lhe atirava ao rosto adesestima em que o tinha, já convertida em desprezo.

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