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CORAÇÃO CABEÇA E ESTÔMAGO

Untitled - Luso Livros

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Anuiu a tudo, menos ensinar-me a escrever, dizendo que o saber escrever eracausa de muitas mulheres se perderem.Irritou-me muito esta objeção; mas aceitei o consentimento de aprender amarcar, bordar e talhar vestidos de senhoras. Felizmente a mestra escreviasofrivelmente, e ensinou-me às escondidas, com grande aproveitamento.O barão tinha um guarda-livros, que raras vezes me via, e perdia a cor seacertava de encontrar-se comigo. Era novo como eu, tinha uma fisionomiaagradável e um acanhamento que me fazia supor que eu, na minha situação,ainda impunha respeito. Conheci então o amor, à força de pensar quesentimento seria o que ele me causava. Era eu quem já o procurava ver delonge, e me retirava, se o guarda-livros me surpreendia a observá-lo de umajanela por onde, através do pátio, se via o escritório.Alguém me denunciou ao barão, quando eu me julgava a resguardo da menorsuspeita. O caixeiro foi despedido e a notícia deu-ma o barão com um risosardónico e do mau intento. ‘Já sei o fim para que tu querias saber escrever’,disse ele. ‘Qual era?, acudi eu. Não respondeu.Passados dias, achei uma carta no livro que andava lendo, emprestado pelamestra. Era do guarda-livros. Quem trouxera esta carta? Seria isto umavelhacaria traiçoeira do barão?! Não era. A mestra fora-me dada porinformação do caixeiro e, a instâncias dele, me trouxe a carta, que não ousaraentregar diretamente.Não me afligiu a temeridade do rapaz, que eu amava. Recebi a carta, agradeciaà mestra, e respondi-lhe sem artifício, dizendo-lhe sinceramente que oamava; mas que entre mim e ele estava uma eterna barreira, levantada pelaminha vergonhosa posição. Mulher que não amasse com toda a candura einexperiência do que são verdadeiras vergonhas não escreveria tal carta. Amulher experimentada na infâmia finge sempre que não a incomoda aconsciência de que a tem e nega aos outros o direito de pensarem que ela seimagina infame. Penso eu que é verdade isto, pelo que tenho aprendido demim própria.O guarda-livros respondeu-me admirando-se que eu visse tal barreira entrenós, quando ele meditava em me fazer sua esposa. Desde que li esta segundacarta, senti-me doida de esperanças felizes; apaixonei-me pelo homem, que menão via ás nódoas da desonra: não era já amá-lo, era adorá-lo na minhaimaginação.

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