25.08.2015 Views

CORAÇÃO CABEÇA E ESTÔMAGO

Untitled - Luso Livros

Untitled - Luso Livros

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

mais o vi, e não sei ainda hoje se foi degredado, se foi para o Brasil, como aminha mãe dizia.Quando eu tinha doze anos, vivíamos num último andar de uma casa na Ruade S. Luís. A minha mãe saía à noite com três das minhas irmãs e recolhia-semuito tarde a fazer a ceia, que era muitas vezes o jantar. Creio que ela andavamendigando. Outras vezes fechava-nos todas na única alcova da casa, e elaficava na saleta: creio que este facto era mais horrível que pedir esmola.Aos catorze anos, estando eu sozinha em casa uma noite, fazendo camisaspara embarque, ouvi um rangido de botas nas escadas próximas e estremeci. Aporta foi aberta de fora com a chave, e eu ergui-me, espavorida, correndo àjanela que se abria sobre o telhado. Lembraram-me, naquele instante, palavrasque a mãe me tinha dito, e julguei-me perdida.Quando lancei a vista à porta para me bem convencer da desgraça, vi umhomem que caminhava para mim, dizendo que me não assustasse. Eu fuirecuando até ao cantinho da casa e encolhi-me a tremer e a chorar.Parece que o homem teve piedade de mim. Esteve a olhar-me com armelancólico, sentou-se e limpou o suor da testa.Perguntou-me quantos anos tinha; se a minha mãe nada me tinha dito arespeito de uma visita; se eu antipatizava com ele; se eu queria sair de tantapobreza e da companhia da minha mãe, que me vendera e que tencionavaviver do preço da minha honra.Eu respondi soluçando a tais perguntas. O homem, que se mostravacondoído, chegou a chamar-me para junto dele, oferecendo-me uma cadeira.Fui sentar-me com muito medo; mas tranquilizei-me algum tanto quando vique me não lançava as mãos. Uma vez que ele se inclinou para mim, deitandomeo braço à cintura, ergui-me de salto e ajoelhei, pedindo que me deixasse.Ergueu-me com brandura e disse-me: ‘Esteja sossegada, que eu não lhe façomal’ — e passados instantes continuou: ‘A sua felicidade não é eu deixá-la;porque amanhã a sua mãe a venderá a outro homem que se não compadeça dasua inocência e lhe despreze as lágrimas. A sua posição, menina, é muitodesgraçada nesta casa. Eu vinha preparado para encontrá-la bem disposta aceder ao destino que a sua mãe lhe deu; vejo que não é fingida a sua dor.Quer, Marcolina, salvar-se das grandes vergonhas que a esperam? Saia já destacasa, aceite a minha amizade; venha para minha companhia, e depois pensaráno que melhor lhe convier para ser menos infeliz. Confesso-lhe que a sua

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!