serra; erraste uma vista, de quem se sente morrer de desalento, pela extensãodo mar. Quem és tu?, donde caíste até encontrar o primeiro apoio na tuaqueda sobre o ombro de um homem perdido de razão, que tu recebeste comose encontrasses um teu irmão no despejo e na desgraça? Já sei o teu nome;vejo que foste bela; que a natureza te quer ainda vestir de umas galas que tuexpeliste de ti, quando as rasgavas com pedaços do coração. Já tens outra cor;e as lágrimas, em que te nadam os olhos, parece que te querem lavar osestigmas da face. Voarão nesta atmosfera os anjos invisíveis que teconheceram, quando tu eras pura?Marcolina abraçou-me sem a veemência convulsiva que os dramaturgosmandam nas rubricas. Foi um abraço senhoril, comedido e honesto comonossas avós os davam naqueles jogos e saiam sempre numa cadeira em frenteda minha otomana e disse:— Nasci no dia em que o meu pai morreu nas linhas de Lisboa. Tenhodezoito anos. O meu pai foi empregado na tesouraria, onde ganhava paralevar a vida com abundância. Se algum desgosto sentia, era por não ter umfilho. Morreu, como lhe disse, no dia em que eu nasci.A minha mãe ficou muito nova e bonita; mas quase pobre. As economias queo meu pai deixara dariam escassamente a subsistência de um ano. Ouvi dizerque a casa estava trastejada com luxo, em que o meu pai se esmerava, por tersido criado no paço, onde meu avô era cirurgião.A mãe teve muito quem a pretendesse, não tanto por ser bela como por correrfama que tinha dinheiro. Teria eu um ano quando ela casou com umempregado público, mais novo e mais pobre que ela.Lembro-me da minha infância dos seis anos em diante, e dos meus irmãos,que já eram dois, filhos do meu padrasto; e, quando eu tinha dez anos, jáéramos seis irmãos, todos meninas.Não tenho memória nenhuma de viver em casa mobilada com limpeza. Aminha mãe foi vendendo pouco e pouco algumas joias que tinha para ajudaràs despesas, que aumentavam, e aos vícios do seu marido, que tambémcresciam com a pobreza. O que me lembra muito bem é a indigência, e afome, e a nudez das minhas irmãs.O meu padrasto, por causa de uma revolução, foi demitido do lugar; e,obrigado pela penúria, fez um roubo, e esteve preso alguns meses. Nunca
mais o vi, e não sei ainda hoje se foi degredado, se foi para o Brasil, como aminha mãe dizia.Quando eu tinha doze anos, vivíamos num último andar de uma casa na Ruade S. Luís. A minha mãe saía à noite com três das minhas irmãs e recolhia-semuito tarde a fazer a ceia, que era muitas vezes o jantar. Creio que ela andavamendigando. Outras vezes fechava-nos todas na única alcova da casa, e elaficava na saleta: creio que este facto era mais horrível que pedir esmola.Aos catorze anos, estando eu sozinha em casa uma noite, fazendo camisaspara embarque, ouvi um rangido de botas nas escadas próximas e estremeci. Aporta foi aberta de fora com a chave, e eu ergui-me, espavorida, correndo àjanela que se abria sobre o telhado. Lembraram-me, naquele instante, palavrasque a mãe me tinha dito, e julguei-me perdida.Quando lancei a vista à porta para me bem convencer da desgraça, vi umhomem que caminhava para mim, dizendo que me não assustasse. Eu fuirecuando até ao cantinho da casa e encolhi-me a tremer e a chorar.Parece que o homem teve piedade de mim. Esteve a olhar-me com armelancólico, sentou-se e limpou o suor da testa.Perguntou-me quantos anos tinha; se a minha mãe nada me tinha dito arespeito de uma visita; se eu antipatizava com ele; se eu queria sair de tantapobreza e da companhia da minha mãe, que me vendera e que tencionavaviver do preço da minha honra.Eu respondi soluçando a tais perguntas. O homem, que se mostravacondoído, chegou a chamar-me para junto dele, oferecendo-me uma cadeira.Fui sentar-me com muito medo; mas tranquilizei-me algum tanto quando vique me não lançava as mãos. Uma vez que ele se inclinou para mim, deitandomeo braço à cintura, ergui-me de salto e ajoelhei, pedindo que me deixasse.Ergueu-me com brandura e disse-me: ‘Esteja sossegada, que eu não lhe façomal’ — e passados instantes continuou: ‘A sua felicidade não é eu deixá-la;porque amanhã a sua mãe a venderá a outro homem que se não compadeça dasua inocência e lhe despreze as lágrimas. A sua posição, menina, é muitodesgraçada nesta casa. Eu vinha preparado para encontrá-la bem disposta aceder ao destino que a sua mãe lhe deu; vejo que não é fingida a sua dor.Quer, Marcolina, salvar-se das grandes vergonhas que a esperam? Saia já destacasa, aceite a minha amizade; venha para minha companhia, e depois pensaráno que melhor lhe convier para ser menos infeliz. Confesso-lhe que a sua
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excruciei a estúpida ferocidade co
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de foguetes de três estalos, e eu
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O amor inventou-o depois o estragam
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Tomásia retirou as mãos. Não sei
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cicatrizes e instilasse nelas o ven