Em 1855 notamos a transfiguração do nosso amigo, que durou até 1860,época em que tu já tinhas trocado o Património da estima dos teusconterrâneos pelas lentilhas do Novo Mundo. Não viste, pois, a transição queo homem fez para o estômago, sepultura indigna das santas quimeras, queaconteceram na mocidade, e consequência funesta da má direção que ele deuaos Projetos, raciocínios e sistemas da cabeça. Podemos assinar tempo aoterceiro volume, desde 1860 até fim de 61, em que o autobiógrafo sedesmanchou do que era para se arranjar doutro feitio.Silvestre, como sabes, tinha muita lição de maus livros. Olha se te lembras queos seus folhetins eram um viveiro de imoralidades vestidas, ou nuas, àfrancesa. Jornal em que ele escrevesse morria ao fim do primeiro trimestre,depois de ter matado muitas ilusões. Quem hoje desembrulha um queijoflamengo, e lê no invólucro um folhetim de silvestre, mal pensará que tementre as mãos o passaporte de muita gente para o inferno. Não há muito queeu, despejando uma quarta de mostarda num banho de pés, li o papel, que acontivera, e achei o seguinte período de um folhetim do meu saudoso amigo:“Diz Petrônio que fora o medo que inventara as divindades.Deus é o que é. O homem é o pequeníssimo bicho da terra, de que fala oCamões.Entre Deus e o homem, só a soberba estúpida do homem podia inventarconvenções, concordatas, obrigações e alianças.O sagui é muito menos estúpido e mais modesto. Come, bebe, dá cabriolas,faz caretas ao mau tempo, coça-se ao sol, retouça-se à sombra, vive, e acabafeliz, porque se não receia de vir a ser homem.A estolidez do homem! Diz ele empapado de vaidade tola: ‘Deus tem os olhosem mim!' Que importância! Deus tem os olhos nele! Se assim fosse, havia dever bonitas coisas o criador do homem que mata o seu irmão!Os olhos nele, para quê? Para envergonhar-se a cada hora da sua obra!...É a blasfêmia em todo o seu asco!Rebalsa-te em sangue, miserável vampiro!Emperla os teus cabelos, meretriz, que deixas morrer a tua mãe de fome! Mãeinfame, come aí em toalhas de Flandres o preço da desonra da tua filha!Ostentai-vos, vermes, aos olhos de Deus, que estão pasmos em vós!... ”
Ainda bem que o fragmento findava nisto, senão eu teria a imprudência de todar inteiro nesta cópia, em que senti as repugnâncias do pulso. Vê tu quemissionário era aquele Silvestre! Que ceifa de almas fez o empreiteiro dastrevas inferiores naqueles anos!Eu de mim pude salvar-me, estudando, como sabes, a teologia a fundo. Tutambém te salvaste, penso eu, justamente porque não sabias coisa nenhuma deteologia e acreditavas na religião dos teus pais, visto que a base fundamentalda tua crença era a caridade. Acertou de ser isto num tempo em que tu pediasesmola para as freiras de Lorvão e eu, também contigo, pedia esmola noTeatro de S. João, para o poeta Bingre.Recorda-te, Novais; mas não chores. Faz como eu: ergue o peito de sobre abanca do trabalho e sacode a lájea que te está pesando nas costas... Olha avaidade! Teremos nós sepultura com lájea!? Conta com um comarozinho deterra, e umas papoilas na Primavera, e uma tábua preta com um númerobranco. A aritmética há de perseguir-me além da morte!Atemos o fio.Os manuscritos de Silvestre careciam de ser adulterados para merecerem aqualificação de romance. É coisa que eu não faria, se pudesse. Acho aqui empáginas correntemente numeradas sucessos sem ligação nem contingência.Umas histórias em princípio, outras que começam pelo fim e outras que nãotem fim nem princípio. Pode ser que eu, alguma vez, em notas, elucide asescuridades do texto, ou junte às histórias incompletas a catástrofe, quesucedeu em tempo que o meu amigo se retirara da sociedade, onde deixara avíscera dos afetos.No volume denominado Coração encontro algumas poesias, que não traslado,por desmerecerem publicidade, sobre serem imprestáveis ao contexto da obra.Não designam as pessoas a quem foram dedicadas, nem me parecem coisa degrande inspiração. Silvestre, em poesia, era vulgar; e a poesia vulgar,mormente na pátria dos Junqueiros, dos Álvares de Azevedo, dos Casimirosde Abreu e dos Gonçalves Dias, é um pecado publicá-la. Sonego, pois, aspoesias, em abono da reputação literária do nosso amigo.Basta de preâmbulo.
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excruciei a estúpida ferocidade co
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