O sino do mosteiro dominicano respirava pelos seus pulmões de bronze duashoras da manhã, quando uma janela do palacete se abriu com leve rumor, e alua, sem velar de puro pejo a face, iluminou aos meus olhos o rosto de Paula.O encapotado avizinhou-se da gradaria e ciciou palavras que eu não pudeouvir, porque as minhas orelhas estavam sendo como vestíbulos do infernoque me ia lá dentro na alma.Este incomportável suplício durou uma hora, ao fim da qual era eu já umassassino programático daquele homem, que viera atravessar-se ao meu amorferoz de tigre.“Oh!”, exclamava eu no recôndito das arcadas do peito. “Oh!, para que viestetu, desgraçado, assanhar a ira do homem que tem sede do teu sangue e fomedas tuas carnes! Que demónio te lançou ao meu caminho, se eu hei de pôr-teum pé no peito e sacudir-te de lá o coração à cara da perjura! Não tens velhamãe que te chore, nem pai velho, que nos teus braços se ampare à borda dosepulcro? Não sabias que os teus dias estão contados, e que a autora deamanhã te verá a face morta, e que, na tua cara, e com o teu sangue escrita, omundo lerá a tremenda palavra: ‘Vingança’? Oh!, tu não sabias que Paula eraminha, minha como tu já agora és dos vermes, como nós três, ela, eu, e tu,todos, ai!, todos seremos do Inferno!”Disse, e fui procurar o cavalo. Tinha-se desprendido e estava a espolinhar-seem regaladas cambalhotas. As cilhas do selim estavam partidas; as rédeastambém; a cabeçada tinha apenas duas correias úteis.Rugi de cólera, e o cavalo, espavorido, fugiu a desapoderado galope, caminhode Lisboa.A providência é mestra do ridículo, quando quer. O meu rancor repartiu-seentre amante de Paula e o quadrúpede fugitivo. Depois, sentei-me esbofadonum degrau de escada, olhei para a lua, olhei para mim, olhei para o selim queeu trouxera debaixo do braço, e ri-me.E o meu riso era um espirro de ferocidade, uma destas coisas que sente oLúcifer quando sacode a vertigem da raiva impotente contra Deus.Eram quatro horas da manhã quando emergi do meu letargo. Vi um padeiro,que me contemplava assustado: pedi-lhe que me levasse o selim entre a carga;e eu caminhei, admirando a impassibilidade da natureza, que parecia zombar
de mim, pela voz dos seus rouxinóis, dos seus cochichos e das suascalhandras.***O meu cavalo, afrontando-se com a barreira, parou. Quando eu cheguei,estava ele amarrado com um cabresto às grades da porta, e os guardasescreviam um ofício ao respetivo comandante, participando a presa quetinham feito e pedindo ordens sobre o destino do vadio.Convenci-os de que o cavalo oficiado era meu pelo testemunho convincenteda sela e dos fragmentos d cabeçada; mas, como não quisessem perder oofício, obrigaram-me a esperar a resposta da autoridade que houve a bemjulgar-me o legal proprietário da besta. Receei que a lógica da sela nãopersuadisse o chefe daqueles sujeitos.Estas miudezas podem enfastiar os espíritos frívolos; mas para mim tenho queos menores episódios das vidas, predestinadas a grandes destinos, são fatosponderáveis nos ânimos reflexivos.Recolhi-me ao meu quarto, sondei as profundezas da minha alma, e destemergulho à consciência saí com má cara e ideias sinistras.Eu tinha um par de pistolas de coldres, carregadas muitos meses antes. Para ascarregar com a certeza de levar nelas a morte, desfechei-as contra o saguão dacasa. A detonação fez grande estrondo e causou grande susto a uma senhoragrávida, que perdeu os sentidos. O marido desta matrona era cunhado doregedor, e foi queixar-se de mim, como causa de um abalo que podia trazer asfunestas consequências de um motivo e a perda do menino, em que ele fiavaas alegrias da sua velhice. A dona do hotel, quando tal soube, disse que eu eramuito feliz em ter contra mim as queixas de um só dos pais daquele meninopossível. Parece-me que esta mulher, com tal juízo sobre paternidades, ia deencontro às ideias que tenho sobre o fenómeno da geração.Ora o regedor, nesse mesmo dia, fez-me intimar para ir à sua presença, einterrogou-me, dali fui com um cabo e um ofício ao administrador, que memandou com um ofício e um cabo ao Governo Civil. Aqui me foi pedida alicença de usar de pistolas; e, como eu não a tivesse, ia ser metido em
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O amor inventou-o depois o estragam
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