Cibrão convenceu-me de que o amor estava nas murtas e saíra, ao vê-los,segregando a cada um a linguagem com que cabalmente, e quantum satis, seperceberam. Eu vinha pasmado do que ele me contou; e, se o não transmito, éque não quero ter os leitores em pasmo. Ora ele também vinha pasmado demim. Eu a dizer-lhe, em pungimentos de ânimo, a sorte infausta deMademoiselle Elisa de la Sallete, e ele a rir, e clamar: “Que araras tu engoles!Leve o diabo a poesia, que faz um homem tolo!”Entendi que o meu amigo era um estúpido feliz, e calei-me.Escrevi muito nessa noite. Ainda tenho os dois primeiros capítulos de umromance, então começado, com o título: Abismos do Amor. No primeirodescrevo Elisa ab ovo, quero dizer, na incubação dos anjos, que a tinhamgerado. Isto orçava por parvoíce; mas era original — merecimento raro nasparvoíces que por aí se escrevem e dizem. No segundo capítulo deito-a emberço de ouro, rodeio-a de boas e más fadas, de anjos fiéis ao Senhor e deanjos despenhados no Inferno. Tencionava, no terceiro, dar o horóscopo damafaldada, em resultado da vitória alcançada por Lúcifer sobre o anjocustódio.Era uma coisa de muito trabalho e engenho.Fora meu intento publicar o romance por assinaturas, em cadernetas de 15réis, e dedicá-lo deste feitio:AO ANJOQUE CONSERVA SUA PUREZA NA DESGRAÇA E QUE, ANTES DESER MÁRTIR,SE CHAMOU MADEMOISELLE Elise de la Sallete,E HOJE SE CHAMA APENASA SANTA,CONSAGRA O AUTOR ESTA URNA das suas LÁGRIMASNaqueles primeiros dias vi de relance a mártir, à hora da tarde em quedespregava da costura.Concentrava-me e dizia-lhe no verbo de um suspiro: “Ó santa do amor!, maldirão as mulheres que hoje pompeiam nos salões com os vestidos que lhesfizeste quantas lágrimas verteste no estofo, que te estava insultando eescarnecendo no infortúnio!”
Uma tarde de julho estava eu no Passeio Público, quando as duas francesasentraram. De longe e reverenciosamente as cortejei. Elisa respondeu-me comum gesto de imensa melancolia, como quem diz: “Oh!, não reveles a esseshomens de pedra a desgraçada que aqui vai!”Atrás de mim estava um grupo de homens, que falaram e riam, quando asmodistas passaram. Apurei o ouvido e escutei, com preferência, a voz de umsujeito, entre os dizeres zombeteiros dos outros. Dizia assim:“[...] Parece incrível! Quando eu a conheci, há quatro anos, estava ela com umestudante brasileiro, que estudava o Curso Superior de Letras. Encontrei-a nasguinguettes, a dançar o cancã com admirável mestria. Depois, o brasileiroendossou-a a um italiano; o italiano deu-a de mão beijada a um tenor; o tenorpassou-a ao corifeu dos coristas; e daí começou a descer, e perdi-a de vista.Eis senão quando, dou com ela no armazém da *** com a mais pudica dascaras e a mais mesurada das linguagens. Recordei-lhe em termos hábeis opassado, as guinguettes, o cancã, o brasileiro e a caterva magna das dinastiasque lhe avassalaram o coração; e ela, com as mais marmóreas das caras, dissemeque eu, se não estava enganado, era um infame. Mas o melhor de tudo éela ter-se encampado a um provinciano, que por aí anda, conhecido do CibrãoTaveira, a título de menina seduzida por um duque, e diz chamar-se, em Paris,Elise de la Sallete!”Riram todos, e eu pus a mão no lado esquerdo, a rebater o coração que partiaas costelas e rasgava as membranas. Fitei o homem, que falava ainda, e dissementalmente: “Se mentes, pagarás a infâmia com a vida!”Procurei o meu amigo Cibrão Taveira e contei-lhe o que ouvira. Cibrão, semescarnecer a minha dor, respondeu com ar sisudo:— É verdade o que esse homem disse. Não quis desmentir as tuaspresunções, porque sabia que te fazia mal. Eu sei-o da outra, que ela tem naconta de amiga íntima. Ambas são da mesma farinha. Nenhuma delas servepara poetas, que andam no encalço dos anjos. Se te serve assim, dá louvoresao Céu por ela ser quem é. Se queres mulheres para romances e prosas, pedeasà tua imaginação e deixa o mundo real como ele está, que não pode sermelhor.Nesse mesmo dia fui para Mafra com tenção de morrer de tédio: o sítio eraazado; mas a minha robusta organização resistiu.
- Page 2 and 3: CORAÇÃO, CABEÇAE ESTÔMAGOCASTEL
- Page 4 and 5: PREÂMBULO— O meu amigo Faustino
- Page 6 and 7: Em 1855 notamos a transfiguração
- Page 8 and 9: PRIMEIRA PARTECORAÇÃO
- Page 10 and 11: eceando que o pai se casasse com a
- Page 12 and 13: ***A segunda era também minha vizi
- Page 14 and 15: me seduzia com o suplemento dos bur
- Page 16 and 17: Eu queria comunicar a exuberância
- Page 18 and 19: — Perfeitissimamente. Queria dize
- Page 20 and 21: saracoteava-se tão peneirada nas e
- Page 22 and 23: Viu-me, fitou-me; não sei se corou
- Page 24 and 25: Aconselhas-me que não vá a Carnid
- Page 28 and 29: Quando voltei a Lisboa, em começo
- Page 30 and 31: Hoje, aí!, hoje um céu de negro,
- Page 32 and 33: médico. Fiz, pois, de mim uma cara
- Page 34 and 35: parava, olhando para as janelas, qu
- Page 36 and 37: com tanto afeto que o próprio gali
- Page 38 and 39: Devia ser à hora em que ela descia
- Page 40 and 41: ***No dia imediato fui, purpureado
- Page 42 and 43: O sino do mosteiro dominicano respi
- Page 44 and 45: processo, a não me valerem alguns
- Page 46 and 47: — Será...— A fidalga é uma do
- Page 48 and 49: angelicamente inocentes que dão ar
- Page 50 and 51: Na rocha alpestreVaga SilvestreTodo
- Page 52 and 53: — Vou — respondi —; mas, se t
- Page 54 and 55: CONCLUSÃOQuando voltei a Lisboa, r
- Page 56 and 57: À imitação desta, podia eu conta
- Page 58 and 59: Outro bardo, que tem na terra amore
- Page 60 and 61: serra; erraste uma vista, de quem s
- Page 62 and 63: eleza me encanta; mas já não sere
- Page 64 and 65: no separarmo-nos. Neste intervalo,
- Page 66 and 67: Anuiu a tudo, menos ensinar-me a es
- Page 68 and 69: Dum arremesso, entrou no meu quarto
- Page 70 and 71: Nunca mais vi a mestra, nem tive pe
- Page 72 and 73: Não lhe ocultei os haveres, que eu
- Page 74 and 75: chávenas de café e não provou ne
- Page 76 and 77:
espedaçava. Apenas conheci a casa
- Page 78 and 79:
Não posso bem dizer o que senti ne
- Page 80 and 81:
CAPÍTULO IJORNALISTAO homem não s
- Page 82 and 83:
Devo a este lorpa a popularidade qu
- Page 84 and 85:
Pouca gente alcança os limites do
- Page 86 and 87:
lutar com a indiferença pública,
- Page 88 and 89:
Falei com D. Justina Mendes, e para
- Page 90 and 91:
Contempla as graças da gentil meni
- Page 92 and 93:
Onde entesoura imagem prediletaDa m
- Page 94 and 95:
A esposa diz que já n'alma lhe dó
- Page 96 and 97:
páginas; mas, sobre ser deslealdad
- Page 98 and 99:
inermes —, seriam pelo seu mesmo
- Page 100 and 101:
Sabido isto, respirou um pouco a ma
- Page 102 and 103:
Francisco José de Sousa prezava no
- Page 104 and 105:
Porto — a suspeita de que a sua m
- Page 106 and 107:
ela, com um brilho de alegria só c
- Page 108 and 109:
Guardava eu as justas conveniência
- Page 110 and 111:
— Nada, não declaro.— Como?!
- Page 112 and 113:
NOTAO autor remata aqui o período
- Page 114 and 115:
Do mundo elegante são excluídas a
- Page 116 and 117:
Os meus estudos patológicos atuam
- Page 118 and 119:
O vestíbulo do teatro lírico seri
- Page 120 and 121:
deliciosa para o olfato. Segue-se u
- Page 122 and 123:
CAPÍTULO IDE COMO ME CASEIProcurei
- Page 124 and 125:
excruciei a estúpida ferocidade co
- Page 126 and 127:
de foguetes de três estalos, e eu
- Page 128 and 129:
monte, que lá chamam mentrasto; e
- Page 130 and 131:
— Pois se quer vir daí à casa d
- Page 132 and 133:
Fui consultado acerca da passagem o
- Page 134 and 135:
— Pois olhe que nunca mais me esq
- Page 136 and 137:
***Depois de ceia, Tomásia saiu a
- Page 138 and 139:
Ao amanhecer do dia seguinte ouvi a
- Page 140 and 141:
— É para o caminho — disse ela
- Page 142 and 143:
O amor inventou-o depois o estragam
- Page 144 and 145:
Tomásia retirou as mãos. Não sei
- Page 146 and 147:
da peregrinação — Deus sabe qu
- Page 148 and 149:
Vi-o na Foz, e conheci então a Sra
- Page 150 and 151:
Ó tempos patriarcaisDeixai que pos
- Page 152 and 153:
O usuário o deraEm troca do servi
- Page 154 and 155:
Quero pôr a descobertoSeus planos
- Page 156 and 157:
Os diques da inspiraçãoRompem-se
- Page 158 and 159:
Os versinhos, doce prenda,Cada vez
- Page 160 and 161:
cicatrizes e instilasse nelas o ven