saracoteava-se tão peneirada nas evoluções do fado, que eu estava pasmadodo que via.Convidava eu amigos a jantarem comigo aos domingos, prevenindo-os paragozarem as delícias gratuitas daquela dama, transfigurada em bacante, postoque as antigas bacantes não o eram sem a condição da virgindade, e nesteponto, de modo algum quero ultrajá-la com a comparação. Os meus amigos,já apodrentados de coração, encaravam na desenvolta Martinha com olhoscobiçosos, e, ao seu pesar, confessavam que o amado era eu, e unicamente eu.Maus conselheiros excitaram-me a pensar nos encantos, que eles viam, e —com pejo o digo — descobri que a mulher tinha reduzido a pântano umaparte do meu coração para retouçar-se nele.Amei-a; e ela, sem lho eu dizer, conheceu-o logo. Expôs-me ardentemente assuas raivas e ciúmes, quando me via namorar as vizinhas; e confessou quetivera o satânico pensamento de envenenar Catarina, quando eu a amava, e eraamado, tendo ela depositado no coração da desleal amiga o seu segredo.Os dias corriam plácidos e felizes para nós, quando D. Martinha tomou umacriada, que era mulata.Mas que anjo das estuosas zonas onde a pele está calcinada, como devem estáloas fibras do coração! Que mulata!, que inferno de devorante lascívia elatinha nos olhos! Que tentação, que doidice me tomou de assalto apenas a viem roda do meu leito, fazendo a cama! O menor trejeito era uma provocação;o frêmito das saias era um choque da pilha galvânica! Ó minha virtudepudibunda! Estavas estragada por D. Martinha!Amei a mulata, com todo o ardor do meu sangue e dos meus vinte anos! Pedilheamor, como se pede a um Serafim de neve e rosas, a quem a gente ajoelhae ora de longe, com medo de os desmanchar com o bafo. Quando a exorava,parece que os nervos me retorciam os músculos; e os músculos se contraíamem espasmos de luciferina delícia! Lembra-me que me ajoelhei aos seus pésum dia, beijando-lhe as mãos, que perfumavam o aroma de cebola dorefogado. Melhor me lembra ainda que me ergui dos seus pés vitorioso, e felizcomo nunca um réu perdoado se ergueu dos pés de rainha do Congo!Perguntai às aves do céu, e às alimárias dos pedregais africanos, como seamam!O meu amor tinha da ave a meiguice e do tigre a insaciável sofreguidão.
A mulata sabia que eu tinha amado a ama e era ainda perseguido por ela.Disse-lhe eu que a tolerava por compaixão do seu aferrado afeto. Riu-se amulata e disse: “Uma vez hei de mostrar-lhe a Sra. D. Martinha no momentoem que ela for mais digna da sua compaixão.”Ainda lhes não tinha dito que a folha do Brasil era extremamente engraçada,esperta e maliciosa. Aquelas poucas palavras bastam a defini-la.Chegou o dia em que ela me havia de mostrar D. Martinha no momento emque mais digna fosse da minha compaixão.Desceu a mulata do terceiro ao segundo andar e disse-me: “Siga-me pé antepé.” Segui-a, e entrei numa alcova, que tinha portas cortinadas para umasaleta. A condutora afastou um todo-nada da cortina e mandou-me espreitaratravés da vidraça.Vi D. Martinha despeitorada e reclinada sobre a otomana. Com os joelhos noestrado estava ele a calçar-lhe as meias nas pernas abandonadas aos seuscarinhos. Ele, depois, estendeu-lhe os braços seio acima, abraçou-a pelopescoço e apoiou a face na porção mais flácida do peito. Ele, depois... “Ele,quem?”, pergunta quem isto ler.Era o tio, que dava o vinho de Setúbal aos domingos. Quando saí doobservatório, inclinei o ouvido à mulata, que me dizia:— É, ou não é, mais digna da sua compaixão do que nunca foi?— E de nojo! — acrescentei.Dois dias depois, tive de retirar da hospedaria, em razão de ter dito à Sra. D.Martinha que ela não valia as garrafas de Setúbal que lhe dava o incestuososexagenário.A mulata... (agora me lembro que se chamava Tupinyoyo — que nome tãoamável!) ficou de me visitar todos os domingos; mas ao terceiro, depois dapromessa, contou-me um aguadeiro de um ricaço, vindo do Brasil, seapaixonou por ela e a levara consigo para o Minho.Não mentiu o galego. Três anos depois a vi eu na segunda ordem do Teatrode S. João do Porto, vestida ricamente, ao lado de uma grande cabeça, queestava cotada na praça do Porto em dois milhões.
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Contempla as graças da gentil meni
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excruciei a estúpida ferocidade co
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O amor inventou-o depois o estragam
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Tomásia retirou as mãos. Não sei
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Ó tempos patriarcaisDeixai que pos
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