— Perfeitissimamente. Queria dizer que só amaria exclusivamente omarido.— É isso mesmo. Eu era menor, e o meu pai negava-me licença para casar.Clotilde era pobre, e eu, sem os benefícios do meu pai, era indigente: Tãoinútil homem era eu que fazia versos, e que versos, ó santo Deus!— E ela ama poesia?— Gostava das décimas e embirrava com as odes. Fiz-lhe muita décima:estão todas impressas no Ramalhete. Vamos ao essencial. A paixão cegou-me.Clotilde, sabedora da repugnância do meu pai, parecia disposta a aproveitar otempo com outro namoro. Suspeitei esta infernal resolução, e... que passo eudei, Sr. Silvestre!... que passo!...— Que passo deu o senhor?!— Casei com ela!— O quê?! — exclamei eu, varando de agulhadas nos olhos e nos ouvidos.— Casei com Clotilde.— Pois Clotilde é casada?...— Comigo; há cinco anos, quatro meses e nove dias!Dito isto, o empregado público, depois de uma gargalhada estridente, afetou amais cómica das seriedades e continuou:— O senhor não vá contar isso a ninguém, senão arrisca-se a dar motepara uma farsa, e lembre-se que o personagem mais ridículo dela será o Sr.Silvestre da Silva, com cuja candura eu simpatizo. Quer o senhor namoraruma das minhas cunhadas, se não está disposto a continuar o namoro com aminha mulher? Olhe que ambas têm nomes inspiradores: uma é Berta, a outraé Laura. Escolha, que eu coadjuvo-o.Creiam que estava corrido, e dei graças a Deus quando se aproximaram danossa mesa três sujeitos conhecidos do empregado. Assim foi interrompida aconversação, em que a minha pobre vaidade estava sofrendo como em potrode escárnio. Ergui-me, despedi-me, apertei a mão ao marido de Clotilde, e fuirasgar as prosas e versos que escrevera numa brochura ad ho enfeixado tudosob o seguinte título: A Ti!... E mais nada, a tal respeito (*).
[(*) Aproveitei o lanço de verificar a lealdade desta passagem das memórias do meu amigo. Como em notaà margem estava o nome do marido farçola, solicitei relacionar-me com ele há quatro dias, e fácil foi isso. Àterceira palestra que tivemos, com ar de intimidade, falei no sucesso passado catorze anos antes. Ofuncionário público recordou-me, e disse: “É verdade o que o seu amigo deixou escrito. Só lhe falhou escrevero que, felizmente, não soube, e é que a minha mulher o amou...” Fiquei pasmado da ingenuidade elembraram-me dois versos franceses de não sei quem:“Quand on l’ignore, ce n’est rien;Quand on le sait, cést peu de chose.]***Ainda agora me não entendo bem, se penso na frieza do meu coração àsescaramuças que a dona do hotel lhe fazia!Era a Sra. D. Martinha uma viúva de trinta e cinco anos, pequena, entroncada;mas bem feita e ágil. do seu tinha pouco cabelo; porém, com o abençoadocapital que empregara em marrafas tecia um trançado tão abundante,principalmente ao domingo, que nunca a arte dos Canovas fez cabeça maismagnífica em adornos que a da Sra. D. Martinha.Eu bem a vi desfazer-se em atenções comigo, dando-me o melhor quarto, amelhor manteiga, e o café, depois do jantar, fora do ajuste; mas os olhos domeu coração andavam desvairados em contemplações de mais poéticas provasde amor, e não podiam baixar ao devido apreço da boa manteiga e do café deCabo Verde, como amorosos mimos e demonstração de ternura.Aos Domingos, a Sra. D. Martinha honrava os hóspedes ao jantar com a suapresença. Eram banquetes estes jantares, obrigados a vinho de Setúbal,presente semanal de um tio da senhora, sujeito de sessenta anos, queremoçava aos vinte, naqueles dias em que ele era certo à mesa.A jovial dama erguia-se sempre escarlate até às orelhas e lançava-se a um tãovoluptuariamente alquebrada, que seria muito para amar-se, se a hipóteseconsentisse que ela tivesse dentro do seio tanto coração como vinho deSetúbal. Vi-a dançar a jota com requebros de escandecente despejo; não eramenos lúbrica no lundum chorado; e, não sei se de experiência, se de instinto,
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Contempla as graças da gentil meni
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excruciei a estúpida ferocidade co
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O amor inventou-o depois o estragam
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Tomásia retirou as mãos. Não sei
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