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CORAÇÃO CABEÇA E ESTÔMAGO

Untitled - Luso Livros

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— É para o caminho — disse ela, atando-os às fivelas da sela.Dei o último adeus, e Tomásia subiu ao topo de um outeiro donde se avistavagrande espaço de estrada, e ali estava acenando-me até que me sumi numabaixa de serra.Abri o embrulho: era um Agnus-Dei, encastoado em prata. O lenço que oenvolvia tinha no centro um coração com muitos aleijões, atravessado poruma flecha que a caprichosa bordadeira deixava ver em todo o seucomprimento, de modo que parecia uma seta grudada ao coração.Dali três léguas sentei-me à sombra de uns azinheiros e abri o alforge: era umagalinha assada, uma cabaça de vinho e um pão.A leitora de coração fino e melindroso pergunta-me se eu gostei daquilo, seme não seria mais saboroso encontrar um ramo de flores.Não, minha senhora, eu gosto muito mais de encontrar a galinha, o pão e acabaça.Os prazeres das flores cedo-os bizarramente aos amadores da vossaExcelência e a Vossa Excelência não levo a mal que se ria da filha dosargento- mor de Soutelo, que punha flores aos santos e cuidava seriamentedo estômago das pessoas que lhe eram caras.***Cheguei a minha casa e estranhei-a como se não fosse a minha.Vi uns velhos criados, que se moviam taciturnos e tristes. Peava-me no peitoaquela solidão, mais amargurada pelas lembranças da infância. O espíritorefugiava-se em Soutelo, e eu pasmava de não sentir renascer o coração aocalor daqueles desejos, que semelhavam saudades.Abreviei os meus arranjos, fazendo ler o primeiro proclame do meucasamento no dia imediato, que era domingo, dispondo novos arrendamentosdos bens, demitindo-me da regedoria e comprando na vila próxima algumasprendas de noivado.

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