de foguetes de três estalos, e eu fiz subir às nuvens um balão, feito de jornaisem que eu fora redator.O garrano voltou, nesse mesmo dia, à porta do vigário, que o estreitou aopeito em fervoroso amplexo e exclamou: — Fizeste-me perder a eleição; maspara outra vez a ganharemos! Vem, filho pródigo!***Dois meses depois recebi o hábito de Cristo, solicitado pelo governador civil.Seguiu-se a romaria de S. João, e eu levei o hábito. O ex-regedor, quando meviu a cruz e a fitinha escarlate, estava encostado a uma pipa bebendo o seuquartilho e discorrendo acerca do real-d ’água e quinto para a amortização dasnotas, que ele chamava uma ladroeira. De repente, dá de cara comigo. Cai-lheda mão convulsa o copo, encosta a cara pálida ao ombro da taverneira, quetinha boas espáduas para suportar aquela esfera de granito, e ia desmaiar,quando, ao chegarem-lhe aos beiços uma caneca de água, ele disse que o maisacertado era chegarem-lhe vinho. E, bebendo, recobrou-se de cores, ganhou oaprumo e, para disfarce, deu um piparote no nariz da rapariga.Deixá-lo lá com as suas foscas, o infeliz! Come-lhe as entranhas o rancorpolítico. Um dia virá em que ele, descoroçoado de apanhar a regedoria, veja aPátria pelos olhos de Bruto e, com b pequeno, se deixe morrer de umafartadela de rojões de porco, sem alguma esperança de renome entre asvítimas do patriotismo. Não!, pobre tolo que tinhas em ti uma alma tal e qual,ceterisparibus, como a dos grandes estadistas, que se hão de rir das tuasagonias: não, meu émulo desditoso, a posteridade falará de ti, as geraçõesporvindouras lerão nesta página, mais durável que o bronze das estátuas, o teuinfortúnio e a minha generosidade. Voere perenius victis!O hábito de Cristo foi causa a episódios não despiciendos nestas memórias.No arraial de S. João andava o sargento-mor de Soutelo com a sua filha única,Tomásia.Tomásia era mulher de carne e osso mais que o ordinário. Vestia de amazona:mas ficava um pouco aquém dos limites da elegância, porque era mais larga nacintura que nos ombros — visível defeito do vestido. Tinha uns longes de
cara admiráveis: figurava-se-me uma flor de magnólia entre duas rocas decerejas.O sargento-mor, que também era cavaleiro de Cristo, desde 1812, pensavadesde muito casar Tomásia com cavaleiro da mesma ordem. Conhecia-me elede nome e formava de mim opinião desvantajosa: não assim a rapariga que metinha visto anos antes, numa festa de Endoenças, e gostara de me ver com aopa verde de irmão das almas, funcionando nas cerimónias da igreja.A casa do sargento-mor rendia quinhentas medidas de centeio, meia pipa deazeite e vinte carros de castanha; sustentava três juntas de bois e quatroirmãos padres.O leitor ignora, talvez, a jerarquia de um sargento-mor. Pensa que é umapatente destas que enchem a cobiça do coração de uma costureira ou criada desala, a quem o sargento oferece sua alma e oito vinténs diários de pré?O sargento-mor das antigas milícias era um potentado, imediato na jerarquiaao capitão-mor, com quem por igual se repartiam os lombos e os respeitossociais. O baque da monarquia absoluta, esmagando com os privilégios oacatamento que os privilegiados incutiam, respeitou o sargento-mor deSoutelo. Os povos reverenciavam-no no teor antigo e testemunhavam seuacatamento presenteando-o com os lombos dos cevados, tal e qual como nasominosas eras em que o sargento e o capitão-mores representavam, noaparelho gástrico do absolutismo, um dos intestinos mais importantes — oreto, se quiserem.Tomásia era um rapariga desempenada e com olhares derretidos. Deentendimento era escura, como quem não sabia ler, nem tivera, alguma hora,desgosto da sua ignorância. Tinha vinte e seis anos e nunca estivera doente.Nunca tomara chá nem café. Almoçava caldo de ovos com talhadas dechouriço. O Sol, ao nascer, nunca a surpreendeu em jejum. Trabalhava deportas adentro com as criadas: fazia as barrelas, fabricava o pão, administravaa salgadeira e vendia os cereais e as castanhas. Regularmente calçava soquinhasdebruadas de escarlate e sarapintadas de verde. As meias eram de lã oualgodão azuis; mas não usava ligas, de jeito que as meias caiam em refegos àroda do tornozelo — o que não era feio. Nas romarias, calçava sapato de fitase trazia chapéu desabado com plumas brancas. Os pulsos eram de uma canasó, como lá dizem para exprimirem a força. Cada palma de mão parecia umalixa; e elogiar-lhe o cuidado das unhas seria adulação indigna da minhasinceridade. Dentes nunca os vi ricos de esmalte. Limpava-os com erva do
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processo, a não me valerem alguns
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Na rocha alpestreVaga SilvestreTodo
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— Vou — respondi —; mas, se t
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no separarmo-nos. Neste intervalo,
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Não lhe ocultei os haveres, que eu
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chávenas de café e não provou ne
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