CAPÍTULO IDE COMO ME CASEIProcurei o refúgio dos penates, o lar em que derivam bem-aventuradas asgerações dos meus passados. Saboreei-me nas delícias do repouso, posto queem volta de mim só visse as imagens da numerosa família que descansava nopavimento da pequenina igreja. Lá estavam todos, como operários, quefindaram sua jeira e, ao entardecer, encostaram a face ao pedestal da cruz eadormeceram.Meditei no suave viver dos meus pais e comparei-o às dores, umas lastimáveise outras ridículas, que me tinham delido o coração, e desconcertado oaparelho de pensamento. Viver segundo a razão, alvitre que os filósofospregoam, é bom de dizer-se e desejar-se, mas enquanto os filósofos nãoderem uma razão a cada homem, e essa razão igual à de todos os homens, oapostolado é de todo inútil.Melhor avisados andam os moralistas religiosos, subordinando a humanidadeaos ditames de uma mesma fé; todavia — e sem menoscabo dos preceitosevangélicos que altamente venero —, parece-me que o homem, sincerocrente, e devotado cristão, no meio destes mouros, que vivem à luz do século,e meneiam os negócios temporais ao seu sabor, tal homem, se pedir ao seubom juízo religioso a norma dos deveres a respeitar, e dos direitos a reclamar,ganha créditos de parvo, e morre sequestrado dos prazeres da vida, se quiserpoupar-se ao desgosto de ser apupado, procurando-os.Como sabem, eu nunca andei em boas-avenças com a religião dos meus pais;e por isso me abstenho de lhe imputar a responsabilidade das minhas quedas,seja dos pináculos aéreos onde o coração me alçou, seja do raso da razão,onde as quedas, bem que baixas, são mais igminiosas. Eu comparo o cair dasalturas do coração à queda que se dá de um garboso cavalo: quem nos vê cairpode ser que nos deplore; mas decerto nos não acha ridículos. Ora, o cair dabaixeza dos cálculos racionais é coisa que faz riso aos outros, e por isso muitocomparável ao tombo que damos de um ignóbil burro. O cavalo despenhanose, com as crinas eriçadas, resfolga e arqueia-se com gentis corcovos. Oburro, depois que nos sacode pelas orelhas, não é raro escoicear-nos. É omesmo, se a comparação vos quadra, nas quedas do amor e nas quedas doraciocínio. Das primeiras erguemo-nos sacudindo as folhas secas de umas
ilusões, enquanto outros gomos vêm já desabrolhando na alma para maistarde reflorirem. Das segundas não há senão lama a sacudir e muita pisadura acurar com o bálsamo do tempo e de uma vida brutalmente desapegada detudo que ultrapassa o momento da sensação.A este viver assim de convalescença é que eu, por não sei que simpatia com avíscera essencial das nobilíssimas funções animais e espirituais, denominei oestômago.Não pensem, porém, que eu hei de consumir o restante da minhaindividualidade em comer. Há faculdades que não se obliteram imolando-as auma única manifestação da vida orgânica: o mais que pode fazer o espírito éimpulsioná-las, concentrá-las e convergi-las todas para um ponto. De maneiraque todas as minhas faculdades de ora em diante em volta do estômago asrege, e não há de alguma ideia preocupar-me sem sair elaborada nas mesmascinco horas que os fisiologistas assinam às funções digestivas.***Logo que me aposentei para largo tempo na minha casa, curei de remover eprevenir todos os empeços ao sessego das minhas digestões.Quando esta providência falta, nenhum cálculo vinga. Nenhuma semente vosdesabrocha bem prosperada, se descurais o amanho da terra. Antes sair comas mãos feridas do arroteamento de carrascais e silvedos que ver abafados osrenovos entre o mato. Notem já que a minha linguagem vai adquirindo umcorpo e cor e uma certa consistência que não tinha. Os entendidos hão deachar que esta gravidade sentenciosa só pode dá-la uma inteligência algumtanto espalmada pela pressão do estômago. E assim é que se explicam osadiposos bacamartes do frade, cujo intelecto se nutria e inflava nas roscas docachaço, pedestal digno daquelas grandes e repletas cabeças. A ciência dofrade, pois, era a ciência das funções alimentícias. Todo o estômago, bemregulado, produz um génio.Convinha-me, pois, vassourar da minha testada um influência odiosa: era oregedor da freguesia que nunca ma tinha perdoado os artigos em que lhe
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CORAÇÃO, CABEÇAE ESTÔMAGOCASTEL
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PREÂMBULO— O meu amigo Faustino
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Em 1855 notamos a transfiguração
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PRIMEIRA PARTECORAÇÃO
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eceando que o pai se casasse com a
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***A segunda era também minha vizi
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me seduzia com o suplemento dos bur
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Eu queria comunicar a exuberância
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— Perfeitissimamente. Queria dize
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saracoteava-se tão peneirada nas e
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Viu-me, fitou-me; não sei se corou
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Aconselhas-me que não vá a Carnid
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Cibrão convenceu-me de que o amor
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médico. Fiz, pois, de mim uma cara
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parava, olhando para as janelas, qu
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Devia ser à hora em que ela descia
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***No dia imediato fui, purpureado
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O sino do mosteiro dominicano respi
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processo, a não me valerem alguns
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angelicamente inocentes que dão ar
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Na rocha alpestreVaga SilvestreTodo
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— Vou — respondi —; mas, se t
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À imitação desta, podia eu conta
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Outro bardo, que tem na terra amore
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serra; erraste uma vista, de quem s
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eleza me encanta; mas já não sere
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no separarmo-nos. Neste intervalo,
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Anuiu a tudo, menos ensinar-me a es
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Dum arremesso, entrou no meu quarto
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Nunca mais vi a mestra, nem tive pe
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