***A segunda era também minha vizinha. A casa em que eu vivia formava ocunhal de um quarteirão, com janelas para duas ruas. Assim podia passear osdois corações de uma para outra janela sem dar suspeitas da minha doblez.Nunca pude saber o nome da dama, nem lhe vi a preceito a cara. Entreluziamlheos olhos nas tabuinhas verdes das persianas, olhos que abonavam orestante das belezas. Vi-a uma ou outra vez na rua; mas o meu pudor era omais vigilante anjo-da-guarda que ele tinha. Escrevi-lhe uma carta em vintepáginas e icei-lhe numa cartonagem de amêndoas, que ela, à meia-noite,pendurou da janela. No dia seguinte não a vi. Afligi-me até à desesperação,tomando como zombaria semelhante resposta à minha carta. Desafoguei nasincera amizade de um amigo, e este consolou-me, dizendo que a mulherpodia estar doente, podia estar apaixonada; e, na segunda hipótese, fugia àpaixão para respeitar os deveres, se os tinha.Ao outro dia abriu-se a janela, e a persiana baixou logo, como era de uso. Astabuinhas obedeceram ao impulso da mão divina, ficando horizontais. Vi-lheos olhos, vi-lhe o sorriso, vi-lhe um trejeito de gratidão, e compreendi que memandava ir à meia-noite debaixo da janela.Fui com uma legião de amorinhos a volitar ao redor de mim. A patrulha viumeatravessar a rua e conheceu, pelo passo, que eu era um mortal ditoso.Parou quando eu parei. Perguntou-me o que fazia eu ali quieto. Respondi-lheque tomava a fresca; e os janízaros responderam: “Veja lá que se nãoconstipe...”.Daí a pouco desceu a cozinha com um bilhete em abraço e eu lancei na coifauma poesia intitulada: Ela!Entrei no meu quarto, abri o papelucho, e li:Gosto muito do seu estilo. Continue, que me entretém. Ontem não lhe apareci porque fui aOeiras, e li a sua carta na presença de Neptuno. Escreva muito, que escreve muito bem.Reli esta coisa e pus a mão sobre o coração injuriado. Não podia dormir. Saí aresfriar a cabeça para não a partir em casa. O escárnio ia atrás de mim,apupando-me. Parei na azinhaga do Arco do Cego e senti-me febril. Às cincohoras da manhã, fui a uma das barcaças e tomei um banho no Tejo. Recolhi-
me com uma catarral e estive onze dias de cama. Quando me ergui, magro elívido, ouvi dizer à dona da casa que o galego, aguadeiro da casa caraira, vieraduas vezes perguntar por mim, com ordem de alguém. O espinho da irrisão, otremendo ridículo, salvou a minha dignidade. Nunca mais abri aquela janela,nem vi mais a vizinha. Assim terminou o meu segundo amor.Um caso me fez saber quem era aquela senhora, que eu desculpo e atérespeito. Fora menina de finíssima educação, natural de Beja. Apaixonou-sepor um conde de Lisboa e fugiu aos pais, pensando que a ignomínia lhe viria adar um marido. O conde deu-lhe casa, mesada e criados. Assim estavavivendo quando a conheci. Era amarga a existência da pobre senhora. Oamante casara meses antes, para desempenhar o vínculo deteriorado. DoPatrimónio da esposa alargou a mesada à amante, que bebia. Deus sabe comque lágrimas, este segundo cálice de vilipendiosa dependência. Escrevera elanesse tempo ao pai, pedindo-lhe perdão e asilo. Nunca teve resposta. Quandome deram estes esclarecimentos (1854), continuava ela a viver a expensas doconde e tinha um filho de cinco anos. Não sei mais nada. Ainda há pouco li obilhete, recebido em 1849, e achei-lhe muitíssima graça. Deus lhe perdoe anoite que me deu e os onze dias de catarro, que me estragaram os brônquiospara sempre! (*)[(*) Chamava-se Margarida a dama. Viveu ainda até 1857 e morreu da febre-amarela, e o filho também.Conta-se que o conde, receoso do contágio, não ousara vir a Lisboa, das Caldas da Rainha, onde estava,quando Margarida o mandou chamar para despedir-se. Morreu contemplando os paroxismos do filho. Oscriados abandonaram-na no último dia. Estava sozinha quando expirou. O conde está ótimo de saúde etransferiu a mobília de Margarida para os aposentos de uma criada, que a condessa expulsou de casa...]Era a terceira uma dama quarentona, que frequentava a casa em que eu mehospedara. Tinha ela um mano, muito mal-encarado e vestido marcialmente,como capitão da carta, que era. A Sra. D. Catarina bailava gentilmente,conversava com todos os pespontos de tagarela muito lida em Eugénio Sue econhecia todos os atalhos que conduzem à posse de um coração noviço.Declarou-se comigo e eu, urbanamente, acudi ao seu pejo, confessando que jáme tinha primeiro confessado com a eloquência do silêncio. Trocamosalgumas cartas, e numa das suas me disse ela que era proprietária de bens deraiz, que valiam seis contos de réis, e tinha, afora isso, uns dez burrinhos emCacilhas, que anualmente lhe rendiam cento e cinquenta mil réis. Cuidou que
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excruciei a estúpida ferocidade co
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de foguetes de três estalos, e eu
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O amor inventou-o depois o estragam
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Tomásia retirou as mãos. Não sei
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