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CORAÇÃO CABEÇA E ESTÔMAGO

Untitled - Luso Livros

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Guardava eu as justas conveniências em embuçar os nomes das duasmulheres, que figuravam no quadro infesto à dignidade humana; mas abstivemede cerimónias com o doutor.O meu artigo levantou contra mim celeuma de pessoas honestas, e até jornaishonestos me saíram de revés, acoimando-me de indiscreto, licencioso e causaocasional de escândalo. É boa tolice esta! Uma gazeta sisuda, maravilhando-sede que eu fizesse queixumes, não sendo sequer marido da dama, aplicou-meos sabidos versos de Nicolau Tolentino:Apóstolo impertinentePra que hás de tu suar,Se não sua o padecente?Anselmo, como visse que a imprensa e a opinião pública estavam com elecontra o jornal, por abuso. O responsável declinou sobre mim, e eu fui sentarmeno banco dos réus em polícia correcional.O advogado de acusação era um jurisperito de grande nomeada e umagravidade de colarinhos assustadora. O meu patrono foi, nomeado ex-ofício:era um bacharel verde em anos e sorvado em inteligência.A acusação fez o panegírico dos séculos áureos em que não tinha imprensa,nem as vidas das famílias estavam expostas aos enxovalhos deescrevinhadores devassos.“Sr. Dr. Juiz de Direito!”, exclama ele, “o santuário da família não podecontinuar à mercê destes esfoladores de reputações! A mulher casada tremeno pedestal da sua virtude; o esposo honrado, num país de imprensa livre,anda como ovos em peneira; a virgem honesta é estrangulada no seu decoro,quando se embala no inocente berço das suas afetuosas aspirações aossacratíssimos, direitos da maternidade. (Neste ponto, o escrivão do processolimpou as lágrimas ao lenço vermelho do tabaco.) Sr. Dr. Juiz de Direito,prossegue o Demóstenes, com os braços em arco e o rosto em lavaredas detransporte. Todos temos mulher e filhas, filhas estremecidas e esposas ternas.Que importa a inviolabilidade destas santas afeições, se a pena do foliculário,estilando o negro fel da calúnia, nos verte no coração a peçonha da desordem

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