Francisco José de Sousa prezava no doutro o que muitos chamavam sobejidãode escrúpulos. Parecia-lhe, a ele, brasileiro, vilã e torpe a incessante detraçãoem que entretinham os saraus algumas dezenas de velhos, de cuja língua apalavra licenciosa dos bordéis saia mais nojenta do que é em si. Anselmo, paranão cair no desagrado do seu amo, dizia que o mal não era a sátira, mas sim oestragamento dos costumes que a autorizava. Escusando os velhos,acrescentava que as cãs eram um pouco intolerantes; porém, inofensivas.Simpatize o leitor com o Dr. Anselmo, para que se não diga que a virtude émal vista como a verdade nua.***No espaço de três meses, a contar da violenta introdução de Mariana nasUrsulinas de Braga, saiu a lume o tenebroso mistério; mas sem estrondo,porque andava muita gente apostada a encobrir Anselmo Sanches para não terde proclamar a infâmia do apostólico varão, que tinham santificado.Eu hei de abreviar em poucas páginas o que sei. Não me posso ver muitotempo encharcado nesta lama, onde me atirou um dos empurrões da sorte.Lama por toda a parte onde me impeliu o coração e a cabeça! Toda a gente segoza de algumas paragens risonhas; a todo o peregrino da vida é dado assomarde barrancos resvaladiços às chãs pitorescas, e descansar, e esforçar-se aí parase afrontar de novo com as fadigas da jornada. Eu, de mim, não tive o quetêm todos. Onde quer que parei, resvalei num atascadeiro. Quando os acicatesdo amor me arremessavam às aventuras do coração, ia-me esbarrar com tolasou devassas, ou desgraçadas tais como Marcolina. Se era a razão que meinduzia com os seus cálculos egoístas a tomar o meu quinhão daquilo que ovulgo chama senso comum, já sabem que consequências eu vou tirando dasminhas racionais primícias. Vi três mulheres à luz serena do raciocínio. Saiumeparva a primeira, a ponto de me obrigar, sendo eu em extremo delicado, aperguntar-lhe se gostava de caldo de repolho. A segunda, para me humilhar eabater o orgulho, deu-me em Josino um rival preferido. Esta terceira, aMariana dos olhos doces e jeitos de inocência lorpa, vão agora saber no quedeu.
***Grandes considerações!Entendem cordatos fisiologistas que o amor, em certos casos, é umadepravação do nervo ótico. A imagem objetiva, que fere o órgão visual noestado patológico, adquire atributos fictícios. A alma recebe a impressãoquimérica tal como sensório lha transmite, e com ela se identifica a ponto derevesti-la de qualidades e excelências que a mais esmerada natureza denega àssuas criaturas diletas. Os certos casos em que acima de modifica ageneralidade da definição vêm a ser aqueles em que o bom senso não podeatinar com o porquê de algumas simpatias esquisitas, extravagantes e estúpidasque nos enchem de espanto, quando nos não fazem estoirar de inveja.E tanto mais se prova a referida depravação do nervo que preside às funçõesda vista quanto a alma da pessoa enferma, vítima da sua ilusão, nos parecepropensa ao belo, talhada para o sublime e opulentada de dons e méritos queo mais digno homem requestaria com orgulho.Se me desarmam deste convencimento, cimentado em doze anos deexperiência e observações, não sei como hei de explicar o amor de D. RitaEmília ao Dr. Anselmo Sanches.Defendo-a desta vergonha como defenderia o réu de um crime extremamenteexecrável. A alucinação, a doença dos nervos, a demência, enfim, explicam ocrime, e deviam no máximo das vezes absolver a mãe que mata o seu filho, ofilho que mata o seu pai e a mulher que se dá em alma e corpo aos AnselmosSanches.Posto isto, dispensam a história das repugnantes conjeturas, que então fiz,sobre o inarrável mistério dos amores de Rita e Anselmo. Indulte-se a infelizem nome da depravação do nervo ótico, em nome da física e da patologia, emnome da caridade evangélica, em nome de tudo que move à lástima, à piedadee ao perdão.Rita amava Sanches: aceitou o facto consumado. Ora Francisco José de Sousa,ileso da enfermidade visual da sua mulher, via o doutor, qual a natureza ofabricara, feio, canhestro, mazorral, abrutado, refratário aos dardos do deus deGnido. Embalde se cansaria a malquerença insinuando ao brasileiro comcartas anónimas — expediente em voga, e creio mesmo que inventado no
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