Sabido isto, respirou um pouco a maledicência. Já os arpéus da hipóteseachavam duro onde morder. Acordaram, portanto, em conciliábulo, algumasfamílias honestas, que Mariana fora encontrada em flagrante desprezo do seupudor e, por isso, enclausurada no mosteiro bracarense.Toda a gente ia ter com o Dr. Anselmo Sanches para evidenciar a conjetura.***Era o doutor amigo íntimo da família, pertencia ao conselho tutelar da órfã,curava dos negócios litigiosos do brasileiro e podia muito na casa, dominandoa vontade do dono, que se fiava dele, mais seguro que em si próprio. Trinta eoito anos teria Anselmo. Em conta o tinham de homem exemplar em todas asqualidades boas, exceto na jurisprudência, em que era ignorante mais que oordinário. Isso, porém, não lhe danificava o bom nome. Os seus muitosapologistas, se duvidavam dar-lhe procuração para os representar no foro,sobramente o indemnizavam, confiando-lhes mulheres, filhas e — o que maisé no Porto — o dinheiro.Tinha o Dr. Sanches uma cara mais que feliz para se fazer benquisto. Nuncafechava a boca. O queixo inferior, pedindo sempre, servia-o às maravilhas,quando parecia escutar com dor os escândalos que os oradores encartados daAssembleia Portuense (*) expectavam do peito sujo, onde a asma senildesafogava pela detração injuriosa.[(*) Ao tempo que Silvestre da Silva escrevia esta impertinência contra a Assembleia Portuense, tinha estasociedade uma sala privativa de alguns indivíduos, que se divertiam contando passagens da vida alheia, emlinguagem acomodada aos assuntos. Os sócios desta congregação, chamada “Palheiro”, eram pessoasrespeitáveis, maiores de cinquenta anos, qualificadas na jerarquia eclesiástica, no comércio nobilitado e namagistratura, sendo o principal elemento do Palheiro negociantes aposentados, vindos do Brasil. A razão dechamar-se “Palheiro” àquela reunião não a sei. Conjeturalmente diziam alguns etimologistas que palheiroderivava de palha, querendo concluir que o pensamento de quem dera o nome à coisa fora significar oalimento natural dos sócios reunidos naquele ponto do edifício. Acho muito violenta e sobremaneiradesatenciosa a hipótese. Os cavalheiros, ofendidos com tal interpretação, eram pessoas que tinham boaslembranças, propósitos salgados e instrução variada para enfeitar as desgraciosidades da maledicência. Estasqualidades intelectivas não se nutrem com palha, penso eu.Conquanto não fosse extremamente agradável ouvir um sexagenário a discorrer em termos lúbricos acercadas suas libertinagens de rapaz, eu tenho mais que muito para mim que o sal ático dos eufemismos havia deencobrir a impudicícia da ideia.
O que havia de menos louvável nas sessões daqueles cavalheiros era a obrigação que reciprocamente seimpunham de esmiuçarem os pormenores das desonras meio veladas para os contarem de modo que adifamação pudesse dali sair a desenrolar o sudário das chagas sociais à luz do sol. Quando os relatores nãotinham que expender, era permitida a calúnia para gastar o tempo: quer-me parecer que este artigo dosestatutos do Palheiro não merece louvores. Homens a escorregarem à sepultura, uns entrajados com asseveras vestes da religião de Cristo, outros com o peito honrado por cruzes e crachás, outros com numerosaposteridade de filhos e netos, não davam de si boa prova indo para ali afiar a linguagem do impudor,decretar a publicidade de desgraças, que não precisavam da infâmia pública para o serem, e inventarescândalos para aligeirar os tédios da noite.O que tinham de mais humano aqueles sujeitos era comerem muito biscoito de Valongo e forragearem nostabuleiros às mãos-cheias para levarem à família. Isto, que não parece bonito, era a coisa de mais sainete efolia que os velhinhos faziam na assembleia.O tempo foi matando uns e espalhando os outros, de modo que o Palheiro, à falta de concorrentes dignos,ficou devoluto, à espera que a geração nova passe da torpeza militante para as pacíficas recordações das suasfaçanhas.]Se a vítima era senhora casada, o doutor abanava um pouco a cabeça, punhaos olhos no teto, e dizia: “Vão-se os costumes... ” Se o escândalo recitava asgargalhadas gosmentas do auditório, Anselmo sorria por complacência emurmurava: “É remarcável o deboche em que está o grande mundo!” (Ocelerado conspurcava a língua pátria!). Não consentia ele que se erguesse voz adesculpar imoralidades, se raro sucedia algum confrade, por sestro decontradição, indulgenciar fraquezas ordinárias, em verdura de anos, ouobrigadas por circunstâncias especiais.Era para ver como o inexorável Sanches se enfurecia em investidas contraPedro, que passava diariamente duas vezes em tal rua, para inquietar a raparigaincauta! Chegava a chorar no apuro do sentimental, que prodigamenteconsumia, descrevendo os funestos resultados da sedução. Menos perdoaria aMartinho, que, impudico e sacrílego, ousava ir aos domingos, à missa domeio-dia, aos Congregados ou Clérigos, para ver pelas costas a mulher do seuvizinho Januário, depois de ter sujado a fama da mulher do seu vizinhoTimóteo! E, em seguida, punha em miúdos a história do descrédito daquelassenhoras, casadas com os seus amigos, e havia risos à conta dos maridos, eficavam todos sabendo o que até então ignoravam. Momentos depois, se lhepediam novidades, o doutor respondia que não só se abstinha de indagar avida alheia, mas até quisera, se pudesse, cerrar ouvidos às histórias torpes quetodos os dias germinavam da corrupção do corpo social.
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