Maria Luísa Baptista86do «Romance na Montanha», protagonizado por Leandro e Libânia, duasfiguras que foram o que queriam não ter sido. Mas depois é também otempo da morte de José da Cruz, como, por fim, será o da morte de Leandro(menos, provavelmente, a do seu sémen).Cruel, de passada em passada cada vez mais funda, o destino cavoua desgraça, implacável, irresistivelmente, até o limite das aparências.Todo o discurso de FVL está eivado de alusões ominosas, de casosde ironia trágica (19) , da própria utilização do léxico do trágico (porexemplo: «agouro», «trágico», «aviso», «sinal», «pressentimento», «fatal»,«Destino», etc.): Manuel Lopes assume para a sua obra o estatutointrínseco de tragédia.A tensão trágica manifesta-se no próprio «tenso silêncio de receosaexpectativa» (p. 13) (já referido) que «amarrava a boca» (cf. p. 20) aquantos se preocupavam com o seu futuro e o dos seus; como se manifestava,por exemplo, na oportunidade discursiva da presença da viúvaAninhas ou de Saltapedra, perfeitamente a par das agoirentas canhotas,cagarras de riso escarninho, como mesmo os corvos, aves também predadoras,um flagelo menor. De resto, Manuel Lopes insere expressamente ohomem numa concepção clássica, a julgar pela estatura que lhe convém:«O que está acima da força do homem não pertence aos seus domínios. Ohomem tinha uma medida.» (FVL, p. 96). Por outro lado, as superstiçõesa que o texto alude assumem apenas a funcionalidade de pontuar umareferencialidade etnológica e humana (a par do que acontece com outrotipo de elementos) e não nos parece que nelas se possa ler um aproveitamentoestético no domínio da caracterização trágica da acção (20) .Já assim não acontece com a instância destino, de referência expressaou indiciada ao longo de todo o discurso narrativo de FVL. O caráctercíclico dos gestos («Todos os anos era assim» — FVL, p. 14), numa actualizaçãoritual do mito, contribui para a aceitação de seus desígniosarbitrários («Entretanto, o Destino entretinha-se a escrever na cabeça decada criatura um pensar diferente.» — FVL, p. 15: «Era na carestia queo Destino mostrava a força de ânimo e a conduta moral que os guiava.»— FVL, p. 15). Aquela conformação inscreve-se numa filosofia estoicistada vida que envolve determinismo em religiosidade, numa articulaçãosingular: «O Destino é um enviado de Deus» (FVL, p. 131): isto é, mesmoE-book CEAUP 2007
Vertentes da insularidade na novelística de Manuel Lopesposto àprova das formas mais duras, o homem não soçobra, porque aresignação assenta sobre a perene esperança.Trata-se de um eclectismo ideológico específico que radica no vitalinstinto de sobrevivência, num quadro mesológico em que as adversidadesconjunturais se acumulam e as hipóteses de as ultrapassarescasseiam.Em suma, em FVL são as ressonâncias da lição do teatro clássico queafloram; ressonâncias que convergem com propostas estético-ideológicascontemporâneas, em combinação harmónica e eficaz (diríamos,porque conseguida): provocando «o terror e a piedade», Manuel Lopesdemonstra que, vista à luz de um existencialismo de Camus, a catarsearistotélica não é incompatível com os postulados do compromisso neorealista(lato sensu), que ela mantém actualidade, mesmo quando transpostado discurso dramático para o narrativo.2. GRAN<strong>DE</strong>S SEQUÊNCIAS E SUAS GRAN<strong>DE</strong>S FLUTUAÇÕESAo intentarmos continuar a aplicar à análise de FVL o modelo operatórioutilizado em CB, ao procurarmos, mais precisamente, determinar,com alguma objectividade, as grandes sequências e suas grandesflutuações, como fizéramos anteriormente no que respeita à outra obrareferida, pareceu-nos sermos forçada a concluir, aqui, da necessidadede adaptação daquele modelo. Com efeito, a aparente analogia de estruturaentre FVL e CB não vai muito além desse primeiro nível de abordagem.Para lá dele, a intrínseca natureza discursiva das duas narrativasé claramente divergente, como veremos. Assim, enquanto em CB a acçãodecorre dos problemas da vontade de um protagonista («agente»,segundo Bremond, C. — 1973, pp. 132-333) — querer ou não querer ficar/partir—, em FVL não são, grosso modo, os humanos quem decide asocorrências. O próprio título afirma a (forçosa) passividade dos homense confere à natureza (o «Vento Leste») a sua função actuante. Actoresprincipais são a chuva e os ventos, e os homens, ainda que não propriamentetíteres, vêem a sua existência sempre fortemente condicionadapelos elementos naturais.872007 E-BOOK CEAUP
- Page 5 and 6:
VERTENTES DA INSULARIDADE NANOVELÍ
- Page 7 and 8:
ÍNDICEApresentação 9Nota prévi
- Page 9:
Concorri ao Mestrado de Literaturas
- Page 12 and 13:
Maria Luísa BaptistaNOTA PRÉVIAPa
- Page 14 and 15:
Maria Luísa Baptista14go, pude con
- Page 16 and 17:
Maria Luísa Baptista02.MANUEL LOPE
- Page 18 and 19:
Maria Luísa Baptista18seus número
- Page 20 and 21:
Maria Luísa Baptistapara os meteor
- Page 22 and 23:
Maria Luísa Baptistae sofrendo um
- Page 24 and 25:
Maria Luísa Baptista24para a franc
- Page 26 and 27:
Maria Luísa Baptista26A relativa p
- Page 28 and 29:
Maria Luísa Baptistade contextuali
- Page 30 and 31:
Maria Luísa Baptista1. DA ACÇÃO3
- Page 32 and 33:
Maria Luísa Baptistamo entre quere
- Page 34 and 35:
Maria Luísa Baptista34A partir da
- Page 36 and 37: Maria Luísa Baptista36títulos apo
- Page 38 and 39: Maria Luísa Baptistaremos a afirma
- Page 40 and 41: Maria Luísa Baptista40Notemos que
- Page 42 and 43: Maria Luísa Baptistasilenciaram. C
- Page 44 and 45: Maria Luísa Baptista44distintivos
- Page 46 and 47: Maria Luísa Baptista46insuficiente
- Page 48 and 49: Maria Luísa Baptista48(CB, p. 57).
- Page 50 and 51: Maria Luísa BaptistaA despeito dis
- Page 52 and 53: Maria Luísa Baptista52de interven
- Page 54 and 55: Maria Luísa Baptista4. DO ESPAÇO4
- Page 56 and 57: Maria Luísa Baptista56Porto Novo,
- Page 58 and 59: Maria Luísa Baptista58os elementos
- Page 60 and 61: Maria Luísa Baptista60lhe mina o s
- Page 62 and 63: Maria Luísa Baptista62Não encontr
- Page 64 and 65: Maria Luísa Baptistacontribuem par
- Page 66 and 67: Maria Luísa BaptistaAcontecimentos
- Page 68 and 69: Maria Luísa BaptistaAcontecimentos
- Page 70 and 71: Maria Luísa BaptistaAcontecimentos
- Page 72 and 73: Maria Luísa Baptista05.ANÁLISE DE
- Page 74 and 75: Maria Luísa BaptistaO «combate»
- Page 76 and 77: Maria Luísa Baptistaandro que, a d
- Page 78 and 79: Maria Luísa Baptistaconsigna-se, p
- Page 80 and 81: Maria Luísa Baptista80marido, uma
- Page 82 and 83: Maria Luísa BaptistaO acentuar dos
- Page 84 and 85: Maria Luísa BaptistaO milharal, re
- Page 88 and 89: Maria Luísa Baptista88Como, pois,
- Page 90 and 91: Maria Luísa Baptista- a acção do
- Page 92 and 93: Maria Luísa Baptista92Sendo assim,
- Page 94 and 95: Maria Luísa BaptistaAfigura-se, po
- Page 96 and 97: Maria Luísa Baptista96ficos, mas a
- Page 98 and 99: Maria Luísa Baptista(pp. 24-28); e
- Page 100 and 101: Maria Luísa Baptistaa atmosfera es
- Page 102 and 103: Maria Luísa Baptistalíngua de fog
- Page 104 and 105: Maria Luísa Baptista104ção da su
- Page 106 and 107: Maria Luísa Baptistaquando a árvo
- Page 108 and 109: Maria Luísa Baptista108Actualizaç
- Page 110 and 111: Maria Luísa Baptista• «O posto
- Page 112 and 113: Maria Luísa Baptista112«Tem algum
- Page 114 and 115: Maria Luísa Baptista114Inerente à
- Page 116 and 117: Maria Luísa Baptista116Miguel Alve
- Page 118 and 119: Maria Luísa Baptista118Gente das p
- Page 120 and 121: Maria Luísa Baptista120a mão-de-o
- Page 122 and 123: Maria Luísa Baptistalos ventos cor
- Page 124 and 125: Maria Luísa Baptistadas a pique on
- Page 126 and 127: Maria Luísa Baptista• «A tarde
- Page 128 and 129: Maria Luísa Baptistasente embora,
- Page 130 and 131: Maria Luísa Baptista130directa. Ma
- Page 132 and 133: Maria Luísa Baptista«Fiz bem o qu
- Page 134 and 135: Maria Luísa Baptistata-se devidame
- Page 136 and 137:
Maria Luísa Baptistatem-se os valo
- Page 138 and 139:
Maria Luísa Baptistanada mais. Zep
- Page 140 and 141:
Maria Luísa Baptista140Neste caso,
- Page 142 and 143:
Maria Luísa Baptistaos homens. E,
- Page 144 and 145:
Maria Luísa Baptista• a antevis
- Page 146 and 147:
Maria Luísa Baptistase fosse para
- Page 148 and 149:
Maria Luísa Baptista— Nem me lem
- Page 150 and 151:
Maria Luísa Baptista- o «querer b
- Page 152 and 153:
Maria Luísa Baptistacom bosques, c
- Page 154 and 155:
Maria Luísa Baptista— Homem nasc
- Page 156 and 157:
Maria Luísa BaptistaSupomos poder
- Page 158 and 159:
Maria Luísa Baptistaágua que se s
- Page 160 and 161:
Maria Luísa BaptistaO telurismo co
- Page 162 and 163:
Maria Luísa Baptista• «Quem olh
- Page 164 and 165:
Maria Luísa Baptistacimento da vul
- Page 166 and 167:
Maria Luísa BaptistaAssim, em FVL
- Page 168 and 169:
Maria Luísa Baptistadividual, de l
- Page 170 and 171:
Maria Luísa Baptista• «Mas lá
- Page 172 and 173:
Maria Luísa BaptistaTemos por form
- Page 174 and 175:
Maria Luísa Baptista«Parece exact
- Page 176 and 177:
Maria Luísa Baptistaa uma meia dú
- Page 178 and 179:
Maria Luísa Baptistarelacionais (2
- Page 180 and 181:
Maria Luísa Baptistapotencialidade
- Page 182 and 183:
Maria Luísa Baptista«— Sempre e
- Page 184 and 185:
Maria Luísa Baptista184Um como out
- Page 186 and 187:
Maria Luísa BaptistaO «querer bip
- Page 188 and 189:
Maria Luísa Baptista• «Era o qu
- Page 190 and 191:
Maria Luísa BaptistaNa verdade, a
- Page 192 and 193:
Maria Luísa Baptistaa partilha do
- Page 194 and 195:
Maria Luísa Baptistalocando o home
- Page 196 and 197:
Maria Luísa Baptistados longes tra
- Page 198 and 199:
Maria Luísa Baptista(solidariedade
- Page 200 and 201:
Maria Luísa Baptistaproduções qu
- Page 203 and 204:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 205 and 206:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 207 and 208:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 209 and 210:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 211 and 212:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 213 and 214:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 215 and 216:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 217 and 218:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 219 and 220:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 221 and 222:
Vertentes da insularidade na novel