Maria Luísa Baptista116Miguel Alves não se condói propriamente das crianças e dos quesofrem: odeia-os porque interferem no seu mundo fictício, na suafelicidade caseira, de torre de marfim pequeno-burguesa. Miguel Alvescarece de uma perspectiva sócio-política da vida, ou a que possuié limitada e mesquinha, consentânea, aliás, no seu desenho com ascoordenadas sócio-económicas e culturais que lhe enquadram a existênciae a trajectória.Parece-nos que nestas duas figuras — Maria Alice e Miguel Alves(nomes de iniciais coincidentes, de resto) —, mais decerto ainda do queem quaisquer outras, sobreleva a funcionalidade na economia diegéticasobre a especificidade fisionómica ou de percurso. Estas personagens,vindas de um universo geo-sociológico distante, ‘devem’ reagir ao flagelode um modo diferente; e, ainda assim, não deixarão de, a seu modo,ser também vitimas. Com efeito, não há na sua essência bio-sociológicao compromisso teluricista que ‘marca’ os rurais de Santo Antão; outra éa sua razão de existir.Cumpre-nos finalmente uma muito rápida referência globalizante àsfiguras pressagas da viúva Aninhas da Assomada e de Saltapedra, representantesdos daninhos/mascarados, figuras que todavia não atingem adimensão quase mítica de Leandro.Velha e viúva, de «vulto esguio e negro» (p. 73), «o único dente dasua boca espreitava entre os beiços murchos» (p. 126). «Com seus passinhosde jerico chouteiro» (p. 35), «só descia à Terranegra para trazermás novas, como ave de mau agoiro» (p. 47). Comprazia-se na divulgaçãoda desgraça e tal contribuía também para a fama de feiticeira (p.73); sempre se lamentava, apesar de «dona de boas terras» (p. 16). Mestrano insinuar insolente da difamação (pp. 127-128) como no roubosem deixar vestígios (p. 126), pode tornar-se perigosamente aliciante eprovocadora. Veja-se o episódio (pp. 153-156) em que, em contracenacom Leandro, a personagem em causa é magistralmente apresentada,coleando entre a sedução sensual, a chantagem e a ameaça de calúnia. Aprovocação havia de assumir um tal grau de ousadia que Leandro, ripostando,viria a asfixiá-la, não sem pequena dificuldade.A viúva Aninhas é a quinta-essência do mal em forma de gente, forçada vingança viva, sem um traço que seja que inspire simpatia ao leitor:E-book CEAUP 2007
Vertentes da insularidade na novelística de Manuel Lopesa negatividade moral da condição humana no seu limite, negatividadenão gratuita, obviamente (nem textual nem discursivamente).Ao contrário da viúva Aninhas que desce à Terranegra e, toleradaapenas, vai convivendo, Saltapedra, como protótipo do «daninho», vivena periferia e só excepcionalmente aparece na povoação. A sua acção ésumamente subtil: não é por acaso que lhe chamam «Saltapedra»:• «Os pés do Saltapedra não deixavam sinal como os pés dos outroshomens. Homem que não traça caminho é falso, não é pessoa deconfiança. Tanto surdia de um lado como do outro porque não tinhacaminho certo. Era de má raça, dos desimportados da vida, sem caminhocerto e sem cara certa, gente de mau sentido que, em soando a horanegra, viravam “daninhos” na calada, protegidos polas trevas da noite,saltavam para os quintais dos outros e, sem ruído, esvaziavam-lhes ascapoeiras, os currais, os chiqueiros.» (p. 15).• «[...] corria no escuro como gato, via de noite como os outros homensvêem de dia» (p. 159).Caracterizam-no irritantes «gargalhadas sinistras» (p. 171). «Semcara certa», como referimos acima, com a mesma flexibilidade covardede Aninhas, insinua e de imediato nega a insinuação (pp. 159-160).O «mascarado» é a versão rupestre do «daninho»:• «Havia os que viviam mais perto das rochas, vagabundos e pastores,que se iam abrigar nas montanhas junto dos trilhos ermos, e tornavam-se“mascarados”. Quando as calamidades assolavam a Ilha, osmascarados caíam sobre os jornadeiros como corvos sobre milharal.Em pleno dia apareciam e desapareciam no silêncio dos caminhos perdidos,disfarçados com peles de cabra, como espíritos de mau agoiro.»(pp. 15-16) (35) .• «Aos mascarados, não é possível por-lhes as mãos de riba. Asmontanhas pertencem-lhes. Visam as vítimas a quilómetros de distância;têm tempo de se prepararem para a fuga ou para o ataque. Surgemde repente a dois passos da presa e, quando desaparecem, não deixamrasto. As montanhas não os denunciam.» (p. 119).1172007 E-BOOK CEAUP
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