Maria Luísa Baptista112«Tem algum mal que não tem remédio na vida?» (p. 109), interrogaJosé da Cruz.As duas primeiras das citações anteriores reportam-se à reconstruçãodo tanque de José da Cruz (como já se disse), tarefa em que todosse empenham — conforme já acontecera aquando da «sementeira empó» — em regime de reciprocidade; a última citação é um comentário derejeição às malfeitorias da lestada.É neste grupo de personagens que será possível assistir a trajectóriassignificativas, não por uma causalidade endógena, mas grandemente pormotivos e condicionalismos exteriores. Assim, vê-las-emos forçadas pela«carestia», a aderirem ao êxodo crescente das populações circunvizinhas;elas que, pelo amor estrénuo à terra, se recusavam a aceitar a instalaçãoda estiagem, ‘necessitaram’ de ver morrer-lhes as crianças (como aconteceucom Manuelinho e também com José da Cruz) para se persuadiremde que partir era efectivamente imperioso, porque ficar passava a ser aconivência com o flagelo, o auto-extermínio. Particularmente tocante éo episódio em que João Felícia, o ex-lavrador João Felícia, tendo já perdidoConcha, a mulher, que não resistira à fome, tenta debalde apoderarsede uma manga para saciar Joaninha, a filha. A humilhação que sofreao ser-lhe descoberta a intenção constitui uma página conseguida, pelocarácter pungente que anima o discurso.De forças vivas de uma povoação, a adversidade fa-las-á declinar progressivamenteaté à perda do saudável nervo anímico (que outrora contagiavamesmo os cépticos), até à destruição dos entes queridos, até àaniquilação moral (João Felícia), até à aniquilação física (José da Cruz).Corporiza este grupo a abrupta e iníqua translação de valores, isto é, inversãode valores. Manuel Lopes porá efectivamente a questão do significadoda propriedade, num circunstancialismo limite:[Leandro] «Viu diante de si o pai de braço estendido: “Vai da minhacasa, desgraçado”. A palavra “minha casa” soara a falso. Nada, hoje,pertencia a ninguém. [...] Mas não valia nada dizer “a minha casa” porqueno meio desta carestia só a desgraça era nossa.» (p. 165).E-book CEAUP 2007
Vertentes da insularidade na novelística de Manuel LopesEsbatem-se as fronteiras entre o bem e o mal, relativizam-se as atitudese os valores, mas não frutifica a tolerância, que o instinto da sobrevivênciaé o que se impõe a quaisquer outros valores. A rapinagem, comoo linchamento, por exemplo, não são actos de violência gratuita: encontramum enquadramento sócio-económico que os propicia e explica. Porisso também se disse (p. 104) que se modificam «vigorosamente as relaçõesinterpessoais, ocorrem desequilíbrios e irrecuperáveis fissuras notecido social, consequências segundas da actividade indiscriminada doselementos de uma natureza cega e agressiva».Cabe de seguida fazer referência a duas personagens de extracçãopequeno-burguesa, mergulhadas entretanto no meio rural em que decorreessencialmente a acção de FVL. São elas Maria Alice, jovem professora,e Miguel Alves, funcionário público, com inconsistentes pretensõesa proprietário agrícola. Naturais ambos de uma ilha diferente, SãoVicente, foram razões de ordem profissional que os trouxeram a SantoAntão. O estrato social e, de algum modo, o estatuto de ‘estrangeiros’ oude estranhos são responsáveis por um sentir completamente diverso doflagelo, se tomarmos por padrão a população campesina local. Não sãotão relevantes para eles os valores teluricistas, pois a educação que, querum quer outro, receberam, é de cunho livresco, o ambiente em que ela seprocessou, de cariz urbano; assim, os seus interesses aparecem demarcadosjá das vivências naturais das gentes de Terranegra. Um espíritosolidário pode ser documentado em ocasiões correntes; mas, chegada ahora decisiva do sofrimento geral, hora provável e paradoxalmente estacionária,Maria Alice pensará no regresso (até porque já quase não temalunos), Miguel Alves abomina a noite de lestada que teve de defrontar(demais a mais, após a frustrante visita à que fora sua companheira deviagem numa difícil travessia do Canal). Medularmente, caracteriza-osuma maneira de ser individualista.Para Maria Alice, a lestada, a praga de gafanhotos, a estiagem, representamnas suas consequências essencialmente a fome: a que sofrem osseus alunos, progressiva e inexoravelmente dizimados; a que ela própriasofre (porque divide a refeição com os meninos e por que lhe são, por viade regra, interceptadas as encomendas de alimentos que a família lheenvia) e lhe põe em risco a saúde.1132007 E-BOOK CEAUP
- Page 5 and 6:
VERTENTES DA INSULARIDADE NANOVELÍ
- Page 7 and 8:
ÍNDICEApresentação 9Nota prévi
- Page 9:
Concorri ao Mestrado de Literaturas
- Page 12 and 13:
Maria Luísa BaptistaNOTA PRÉVIAPa
- Page 14 and 15:
Maria Luísa Baptista14go, pude con
- Page 16 and 17:
Maria Luísa Baptista02.MANUEL LOPE
- Page 18 and 19:
Maria Luísa Baptista18seus número
- Page 20 and 21:
Maria Luísa Baptistapara os meteor
- Page 22 and 23:
Maria Luísa Baptistae sofrendo um
- Page 24 and 25:
Maria Luísa Baptista24para a franc
- Page 26 and 27:
Maria Luísa Baptista26A relativa p
- Page 28 and 29:
Maria Luísa Baptistade contextuali
- Page 30 and 31:
Maria Luísa Baptista1. DA ACÇÃO3
- Page 32 and 33:
Maria Luísa Baptistamo entre quere
- Page 34 and 35:
Maria Luísa Baptista34A partir da
- Page 36 and 37:
Maria Luísa Baptista36títulos apo
- Page 38 and 39:
Maria Luísa Baptistaremos a afirma
- Page 40 and 41:
Maria Luísa Baptista40Notemos que
- Page 42 and 43:
Maria Luísa Baptistasilenciaram. C
- Page 44 and 45:
Maria Luísa Baptista44distintivos
- Page 46 and 47:
Maria Luísa Baptista46insuficiente
- Page 48 and 49:
Maria Luísa Baptista48(CB, p. 57).
- Page 50 and 51:
Maria Luísa BaptistaA despeito dis
- Page 52 and 53:
Maria Luísa Baptista52de interven
- Page 54 and 55:
Maria Luísa Baptista4. DO ESPAÇO4
- Page 56 and 57:
Maria Luísa Baptista56Porto Novo,
- Page 58 and 59:
Maria Luísa Baptista58os elementos
- Page 60 and 61:
Maria Luísa Baptista60lhe mina o s
- Page 62 and 63: Maria Luísa Baptista62Não encontr
- Page 64 and 65: Maria Luísa Baptistacontribuem par
- Page 66 and 67: Maria Luísa BaptistaAcontecimentos
- Page 68 and 69: Maria Luísa BaptistaAcontecimentos
- Page 70 and 71: Maria Luísa BaptistaAcontecimentos
- Page 72 and 73: Maria Luísa Baptista05.ANÁLISE DE
- Page 74 and 75: Maria Luísa BaptistaO «combate»
- Page 76 and 77: Maria Luísa Baptistaandro que, a d
- Page 78 and 79: Maria Luísa Baptistaconsigna-se, p
- Page 80 and 81: Maria Luísa Baptista80marido, uma
- Page 82 and 83: Maria Luísa BaptistaO acentuar dos
- Page 84 and 85: Maria Luísa BaptistaO milharal, re
- Page 86 and 87: Maria Luísa Baptista86do «Romance
- Page 88 and 89: Maria Luísa Baptista88Como, pois,
- Page 90 and 91: Maria Luísa Baptista- a acção do
- Page 92 and 93: Maria Luísa Baptista92Sendo assim,
- Page 94 and 95: Maria Luísa BaptistaAfigura-se, po
- Page 96 and 97: Maria Luísa Baptista96ficos, mas a
- Page 98 and 99: Maria Luísa Baptista(pp. 24-28); e
- Page 100 and 101: Maria Luísa Baptistaa atmosfera es
- Page 102 and 103: Maria Luísa Baptistalíngua de fog
- Page 104 and 105: Maria Luísa Baptista104ção da su
- Page 106 and 107: Maria Luísa Baptistaquando a árvo
- Page 108 and 109: Maria Luísa Baptista108Actualizaç
- Page 110 and 111: Maria Luísa Baptista• «O posto
- Page 114 and 115: Maria Luísa Baptista114Inerente à
- Page 116 and 117: Maria Luísa Baptista116Miguel Alve
- Page 118 and 119: Maria Luísa Baptista118Gente das p
- Page 120 and 121: Maria Luísa Baptista120a mão-de-o
- Page 122 and 123: Maria Luísa Baptistalos ventos cor
- Page 124 and 125: Maria Luísa Baptistadas a pique on
- Page 126 and 127: Maria Luísa Baptista• «A tarde
- Page 128 and 129: Maria Luísa Baptistasente embora,
- Page 130 and 131: Maria Luísa Baptista130directa. Ma
- Page 132 and 133: Maria Luísa Baptista«Fiz bem o qu
- Page 134 and 135: Maria Luísa Baptistata-se devidame
- Page 136 and 137: Maria Luísa Baptistatem-se os valo
- Page 138 and 139: Maria Luísa Baptistanada mais. Zep
- Page 140 and 141: Maria Luísa Baptista140Neste caso,
- Page 142 and 143: Maria Luísa Baptistaos homens. E,
- Page 144 and 145: Maria Luísa Baptista• a antevis
- Page 146 and 147: Maria Luísa Baptistase fosse para
- Page 148 and 149: Maria Luísa Baptista— Nem me lem
- Page 150 and 151: Maria Luísa Baptista- o «querer b
- Page 152 and 153: Maria Luísa Baptistacom bosques, c
- Page 154 and 155: Maria Luísa Baptista— Homem nasc
- Page 156 and 157: Maria Luísa BaptistaSupomos poder
- Page 158 and 159: Maria Luísa Baptistaágua que se s
- Page 160 and 161: Maria Luísa BaptistaO telurismo co
- Page 162 and 163:
Maria Luísa Baptista• «Quem olh
- Page 164 and 165:
Maria Luísa Baptistacimento da vul
- Page 166 and 167:
Maria Luísa BaptistaAssim, em FVL
- Page 168 and 169:
Maria Luísa Baptistadividual, de l
- Page 170 and 171:
Maria Luísa Baptista• «Mas lá
- Page 172 and 173:
Maria Luísa BaptistaTemos por form
- Page 174 and 175:
Maria Luísa Baptista«Parece exact
- Page 176 and 177:
Maria Luísa Baptistaa uma meia dú
- Page 178 and 179:
Maria Luísa Baptistarelacionais (2
- Page 180 and 181:
Maria Luísa Baptistapotencialidade
- Page 182 and 183:
Maria Luísa Baptista«— Sempre e
- Page 184 and 185:
Maria Luísa Baptista184Um como out
- Page 186 and 187:
Maria Luísa BaptistaO «querer bip
- Page 188 and 189:
Maria Luísa Baptista• «Era o qu
- Page 190 and 191:
Maria Luísa BaptistaNa verdade, a
- Page 192 and 193:
Maria Luísa Baptistaa partilha do
- Page 194 and 195:
Maria Luísa Baptistalocando o home
- Page 196 and 197:
Maria Luísa Baptistados longes tra
- Page 198 and 199:
Maria Luísa Baptista(solidariedade
- Page 200 and 201:
Maria Luísa Baptistaproduções qu
- Page 203 and 204:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 205 and 206:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 207 and 208:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 209 and 210:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 211 and 212:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 213 and 214:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 215 and 216:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 217 and 218:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 219 and 220:
Vertentes da insularidade na novel
- Page 221 and 222:
Vertentes da insularidade na novel