Maria Luísa Baptista104ção da sua humana funcionalidade relativa no políptico dinâmico em quese inserem, e a da especificidade das trajectórias que possam descrever.É que, como atrás se disse e agora se frisa, regressando ao primeironível dos conflitos, a chuva e os ventos não se alteram na sua estatura demalignidade. Não se trata verdadeiramente de uma interacção biunívoca.Só os humanos sofrem as sucessivas e crescentes acometidas dos elementos.Personagens «agentes», exercem uma acção modeladora sobreos homens. Estes modificam-se fortemente, deformam-se psico-somáticae socialmente. Os conflitos que virão a surgir entre os humanos não ocorremde forma espontânea; têm uma motivação que lhes é, directamente,extrínseca, uma raiz mediata, profunda. Modificam-se vigorosamente asrelações interpessoais, ocorrem desequilíbrios e irrecuperáveis fissurasno tecido social, consequências segundas da actividade indiscriminadados elementos de uma natureza cega e agressiva.Será, portanto, tendo em mente todas as considerações e reservassupra, que intentaremos a referência analítica às personagens «pacientes»,os humanos, de FVL.José da Cruz (JC) (30) — A austeridade da figura de José da Cruz reflectea sobriedade tensa de uma paisagem. É a expressão humanizadada própria terra. O telurismo, traço mais saliente da sua personalidade,invade-lhe a fisionomia: De «malares ossudos e secos» (p. 68), «no rostoencovado, as órbitas pareciam duas cavernas escuras com dois pontosde lume dentro» (p. 68). O «farto bigode» (p. 18), «manso e caído comochorão» (p. 18), «austero» (p. 78), «ensombrava-lhe o queixo» (p. 68).«Seu rosto, todo iluminado, era duro como rocha» (p. 70). Note-se a própriaraiz telúrica desta comparação; como acima: «As órbitas pareciamduas cavernas» (p. 68), ou ainda: «Como esses tamarindeiros do caminhodo Porto Novo que os vendavais não derrubam, assim era ele.» (p. 17).Explícito é o trecho seguinte: «Havia neles qualquer coisa de terroso,como se fossem raízes arrancadas à terra. Raízes insepultas que Deus,com toques de varinha mágica, tivesse transformado em homem, mulhere filhos...» (pp. 78-79).Com efeito, José da Cruz espelha (e identifica-se com) o despojamentode uma paisagem hirta mas fértil. É que, a esta monástica contençãode traços, corresponde um vigor anímico contagiante, uma confian-E-book CEAUP 2007
Vertentes da insularidade na novelística de Manuel Lopesça segura e saudável nos homens, uma esperança sem barreiras. Exercesobre os outros lavradores a acção de um conselheiro estimulante e, peloexemplo, impregna-os constantemente dos valores de uma solidariedadeprática e eficaz. Frontal, de uma verticalidade e estoicismo notáveis,é também o pai que aprecia e incentiva o filho, que se preocupa com afamília, que compartilha com Zepa, a mulher, apreensões e esperanças.A fidelidade indefectível à terra é a marca dominante da personalidadede José da Cruz, fidelidade posta à prova quando a lestada o fustigacom suas vergastadas repetidas, dolorosas mas não convincentes. Fisicamente,por exemplo, o seu rosto tornar-se-á «esquelético e barbudo»(p. 163).Era funcionalmente necessária uma tal estatura física e moral para odemiurgo da chuva, o antagonista da lestada.A outro nível, entre os humanos, dissemos já que José da Cruz exerceum ascendente sobre todas as personagens, mas, dentre aquelas comquem contracena, as que se lhe equiparam, sob ângulos diversos, são(pelo trabalho) João Felícia, nhô Manuelinho e, de algum modo, MiguelAlves; no plano familiar, Zepa, a companheira e, de forma particular, Leandro,o filho já homem.A evolução da personalidade, princípios e atitudes da personagemJosé da Cruz fica a dever-se principalmente à acção desgastante da lestada,exterminadora de um sistema ecológico vital de uma sociedade ruralsonhadamente harmónica.É assim, por exemplo, que José da Cruz, que sempre recusara abandonara terra, se verá compelido a fazê-lo, quando, aniquilada a famíliae adjacentes pela fome que a destruição das culturas trouxera, se vêabsolutamente só. De lavrador a mendigo, com as implicações directasna integridade física, na sua própria imagem psico-social. O abalo, queagredira fortemente José da Cruz, irá corroendo de forma insistente eprogressiva a sua inteireza, até que sucumbirá. Quase diríamos que nemaqui ele é sujeito: são as montanhas que lhe barram a vista e os sons quese esvaem; e, quando abraçado ao tamarindeiro:105«Uma grande nuvem negra abafou o Sol. As montanhas, de repente,desabaram. Todas as luzes se apagaram e as trevas envolveram a Ilha. E2007 E-BOOK CEAUP
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