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A MILENAR ARTE DA ORATURA ANGOLANA E MOÇAMBICANA

a milenar arte da oratura angolana e moçambicana - Centro de ...

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Susana Dolores Machado Nunes96talento. Alguns são pesados, lentos, enfadonhos. Outros, pelo contrário,contam com vivacidade, com entusiasmo notável, introduzindo onomatopeiase exclamações descritivas, dificilmente reproduzíveis nas nossaslínguas “mais rígidas e estritamente reguladas”. Junod teve o raro prazerde saborear histórias contadas por Spoon ou Camila, com a necessidadede quebrar o encanto para inquirir sobre uma expressão menos comum.Seguidamente, indica o melhor método a seguir para obter um conto daforma mais exacta possível: em primeiro lugar, é necessário ter conquistadoa confiança do africano, conhecê-lo e ser por ele conhecido. “Dai-lhede beber para lhe aguçar o espírito; depois fazei-o contar a história umaprimeira vez sem o interromper mas conservando na memória a sequênciados acontecimentos e os termos pitorescos. Pedi-lhe depois para tornara contar, mais devagar; aclarai os pontos obscuros. Se, perturbado nasua rotina, ele omitir metade dos incidentes, recordai-lhos vós própriose conseguireis deste modo escrever o conto conservando-lhe todas ascaracterísticas, todo o sabor que de outro modo se perderia”. Podemosanalisar este pequeno excerto textual, contemplando alguns aspectos: asugestão de dar de beber a um informador para lhe aguçar o espírito, levanosa reflectir sobre a relação que se estabeleceria entre o informador e opesquisador. O etnólogo traduz com este discurso alguma “manipulação”do informador, parece considerá-lo um objecto, de que pode dispor comoquiser. Este conselho de dar de beber, não levaria o informador a inventarou modificar as histórias? A expressão, “fazei-o contar”, é reveladora datimidez e da inibição da parte do contador perante o homem branco. Onativo precisaria de beber para libertar o espírito. De seguida, teria decontar uma primeira vez a história sem ser interrompido, depois contava,novamente, a mesma história, só que agora mais devagar, e, constantemente,interrompido pelo pesquisador, no sentido de aclarar os “pontosescuros”. A recolha da mesma história continua com a nota de que o informadorpoderá ficar “perturbado na sua rotina” e poderá omitir metadedos “incidentes”. Sabemos que não é possível contar a mesma história duasvezes da mesma forma, tendo como agravante a presença de alguém quequestiona e recorda os pormenores que fixou da primeira vez que ouviua história. O recordar a história, segundo a versão do ouvinte, condicionao relato do informador, que é obrigado a contar a história devagar e deE-BOOK CEAUP 2009

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