19.08.2015 Views

A MILENAR ARTE DA ORATURA ANGOLANA E MOÇAMBICANA

a milenar arte da oratura angolana e moçambicana - Centro de ...

a milenar arte da oratura angolana e moçambicana - Centro de ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Susana Dolores Machado Nunesna situação de oralidade, as narrativas são simultaneamente actos decultura e instrumentos de transmissão do conhecimento; na situação deescrita, porém, o acto narrativo tende cada vez mais a ser empurradopara a esfera meramente criativa e estética, isolando-o assim da práticaeducativa. Nas sociedades orais, um membro da família ganha relevânciae desempenha um papel fundamental na preservação e transmissão doconhecimento e das tradições, papel que desapareceu nas sociedadesditas “modernas”. Os velhos são “os guardiães contadores de estórias,como são ainda os condutores das cerimónias pelas quais os neófitosingressam nos mistérios do novo mundo, cujas portas lhes são abertaspela iniciação. O ancião liga o novo ao velho, estabelecendo as pontesnecessárias para que a ordem se mantenha e os destinos se cumpram”(Padilha, 1995: 21). Subjacente a todo este ritual está a necessidade depreservação das tradições e da identidade antes, durante e depois doadvento do colonialismo.Na sociedade ocidental, assistimos à reabilitação da “cultura da oralidade”,como recentemente o fez George Steiner 9 , ao tentar a revalorizaçãode actividades como contar histórias, dizer poemas, decorar ou saber decor (recordemos que cor, cordis significa coração) passagens e trechos quemais nos impressionaram no momento da leitura, reproduzir narrativaslongas para um grupo de ouvintes.409Não podemos deixar de transcrever uma passagem do livro O silêncio dos livros de George Steiner:«O recurso à escrita debilita o poder da memória. Aquilo que fica escrito e que, portanto, pode ser armazenado– como na «base de dados» do nosso computador – já não precisa de ser confiado à memória. Culturaoral é aquela que constantemente reactualiza as memórias; um texto, ou uma cultura do livro, autoriza(uma vez mais, esta palavra delicada) todas as formas de esquecimento. A distinção conduz-nos ao cerneda identidade humana e da civilitas. Onde quer que a memória seja dinâmica, onde quer que sirva deinstrumento a uma transmissão psicológica e comum, a herança passada transforma-se em presente. Atransmissão de mitologias matriciais e de textos sagrados através dos milénios, o facto de ser possível aum bardo ou a um aedo reproduzir narrativas épicas extremamente longas sem qualquer suporte escritoatestam o poder da memória, quer do executante, quer do ouvinte. Saber «de cor» - e que manancial deinformação nesta locução – supõe a apropriação de qualquer coisa e o ser possuído pelo conteúdo dosaber em questão. (…) Aliás para a filosofia e a estética antigas, a memória era a mãe das musas. Quandoa escrita levou a melhor e os livros facilitaram um tanto as coisas, a grande arte mnemónica caiu noesquecimento. A educação moderna cada vez se assemelha mais a uma amnésia institucionalizada. Deixao espírito da criança vazio das referências vividas. Substitui o saber de cor, que é também um saber docor(ação), pelo caleidoscópio transitório dos saberes efémeros. Reduz o tempo ao instante e vai instilandoem nós, até enquanto sonhamos, uma amálgama de heterogeneidade e de preguiça. Podemos afirmar quetudo o que não aprendemos e não sabemos de cor – adentro dos limites das nossas faculdades sempre imprecisas– é aquilo de que verdadeiramente não gostámos.» (Steiner, George, O silêncio dos livros, seguidode esse vício ainda impune de Michel Crépu, Lisboa, Gradiva, Junho de 2007, pp. 15 – 17).E-BOOK CEAUP 2009

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!