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UMA HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL

Untitled - Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto

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Ah! Como doía nas costas o chicote do homem que mandavanos negros. De manhã se subia para ver o sol. Todosestavam nus e fedia o buraco onde tinham que dormir. Masde noite ouvia um rumor de bater de asas. Asas brancas quevoavam para cima dela. Era o vôo das almas que não podiamvoar para o céu. Todas as noites elas vinham bater pelasjanelas do barco. Elas só podiam voar para o céu, saindo daterra. Os corpos dos que eram lançados na profundeza domar não davam almas nem para o céu nem para o inferno[...]. De noite ainda vejo os pássaros grandes em cima dotelhado do quarto. As almas ainda não me abandonaram.O relato da ex-escrava reproduzido pelo romancista mostraque o trauma da travessia atlântica estava relacionado também àpreocupação com o destino das almas dos que morriam. Comovimos no capítulo anterior, para muitos povos provenientes daregião congo-angola, o lugar próprio para os espíritos era juntocom os vivos, seus descendentes. A morte no mar e no interiordos tumbeiros impedia que os espíritos retornassem para pertode seu povo e aldeia de origem. Assim, os sobreviventes pareciamestar fadados a serem acompanhados pelas almas penadas dosque morreram no mar, longe da terra dos ancestrais.Ao longo da angustiante travessia, os cativos estabeleciamlaços de amizade entre si. Chamavam-se “malungos” uns aos outros,uma amizade que gerava profunda solidariedade e verdadeirasobrigações de ajuda mútua. Em 1836, um africano forro organizouo retorno à África de 200 escravos alforriados baianos. Sessentadeles fizeram parte do carregamento do navio Emília, provenientede Onim, que os desembarcara junto com o organizadordo retorno na Bahia em 1821.Desconfiança, medo e hostilidade reinavam a bordo dos naviosnegreiros. A viagem era cercada de muitos cuidados. Para afastaros riscos de motins, os mais inquietos eram acorrentados nosporões. Relatos de motins a bordo dos negreiros são raros, mas orisco de ocorrerem não era algo descartado pelos que atuavam naqueleramo de negócio. Em 1823, cativos transportados num negreiroque seguia para a Bahia se rebelaram em alto mar sob a liderançade um negro ladino, isto é, um que falava português. MortosUma história do negro no Brasil 51

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