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UMA HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL

Untitled - Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto

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O africano Mahommah G. Baquaqua viveu a experiênciado tráfico e a relatou em um livro publicado em 1854:“Quando estávamos prontos para embarcar, fomosacorrentados uns aos outros e amarrados com cordaspelo pescoço e assim arrastados para a beira do mar.O navio estava a alguma distância da praia. Nunca haviavisto um navio antes e pensei que fosse algum objetode adoração do homem branco. Imaginei que seríamostodos massacrados e que estávamos sendo conduzidospara lá com essa intenção. Temia por minhasegurança e o desalento se apossou quase inteiramentede mim.Uma espécie de festa foi realizada em terra firmenaquele dia. Aqueles que remaram os barcos foramfartamente regalados com uísque e, aos escravos,serviam arroz e outras coisas gostosas em abundância.Não estava ciente de que esta seria minha últimafesta na África. Não sabia do meu destino. Feliz de mimque não sabia. Sabia apenas que era um escravo,acorrentado pelo pescoço, e devia submeter-me prontamentee de boa vontade, acontecesse o que acontecesse.Isso era tudo quanto eu achava que tinha o direitode saber.”Relato de Mahommah G. Baquaqua sobre o interior deum navio negreiro:“Fomos arremessados, nus, porão adentro, os homensapinhados de um lado e as mulheres do outro. O porãoera baixo que não podíamos ficar em pé, éramos obrigadosa nos agachar ou a sentar no chão. Noite e diaeram iguais para nós, o sono nos sendo negado devidoao confinamento de nossos corpos. Ficamos desesperadoscom o sofrimento e a fadiga.Oh! A repugnância ea imundície daquele lugar horrível nunca serão apagadasde minha memória. Não: enquanto a memória mantiverseu posto nesse cérebro distraído, lembrarei daquilo.Meu coração até hoje adoece ao pensar nisto.”Completado o número de escravos a serem transportados,os africanos eram conduzidos aos navios negreiros, também chamadosde tumbeiros. Antes de entrar nas embarcações, eles erammarcados a ferro quente no peito ou nas costas com os sinais queidentificavam a que traficante pertenciam, uma vez que em cadabarco viajavam escravizados pertencentes a diferentes donos. Nointerior das embarcações, por segurança, os cativos eram postos aferros até que não se avistasse mais a costa africana. As condiçõesdas embarcações eram precárias porque, para garantir alta rentabilidade,os capitães só zarpavam da África com número máximo depassageiros. O número de cativos embarcados em cada navio dependiada capacidade de suas instalações. Nos séculos XVI e XVII,uma caravela portuguesa era capaz de transportar cerca de 500cativos e um pequeno bergantim podia transportar até 200. Noséculo XIX, os traficantes utilizaram os navios a vapor, o que reduziuo tempo das viagens. Nos últimos anos do tráfico, a médiade escravos transportados por navio era de 350.Os comerciantes tinham interesse em alojar o maior númeropossível de escravos nos navios, e essa prática tornava a viageminsuportável. Muitas vezes aumentar o número de cativos implicavaem diminuir a quantidade de víveres disponível para cada um. Geralmenteos escravos eram alimentados uma vez por dia. Em 1642,um holandês que atuava no tráfico em Luanda informou que osmercadores portugueses costumavam alimentar os escravos comazeite e milho cozido. A pouca ingestão de água durante a viagemgeralmente provocava desinterias e desidratação. Além da fome eda sede, havia o sofrimento por ter deixado para trás seus entesqueridos, com pouca chance de voltar a revê-los.No século XVII, a travessia de Angola para Pernambucodurava em média trinta e cinco dias, quarenta até a Bahia e cinqüentaaté o Rio de Janeiro. No século seguinte, o uso de embarcaçõesmenores e mais velozes diminuiu a duração das viagens. Atravessia de Angola para o Rio de Janeiro podia agora durar trintae cinco a quarenta dias, números que se mantiveram no séculoXIX. Se os ventos não fossem favoráveis essas viagens podiam seestender por mais dias. Nesse caso, o drama dos cativos se agravavadiante da falta de víveres suficientes e da propagação de molés-48 Uma história do negro no Brasil

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