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SETOR RELIGIOSIDADE AFRO-BRASILEIRA

Material do Professor - Setor Religiosidade Afro-Brasileira

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sociais fundamentais, como educação e saúde, nem acessoàs instâncias de decisão e poder. Estas organizações,inspiradas no modelo de família extensa africana, no qualtodos são responsáveis pelo bem-estar de todos, foram fundamentaispara driblar a indiferença do Estado brasileiropelo destino da população negra, e mesmo sua vontade deliberadade eliminá-la, através dos projetos de “purificaçãoda raça” que promoveram a imigração européia no final doséculo XIX e início do XX.A despeito do famoso “fuxico” e das eventuais rivalidadesentre membros de uma mesma ou de diferentes casas decandomblé, é inegável que esta prática religiosa deu umlugar social para aqueles que eram social e culturalmentemarginalizados: mulheres negras, restritas aos trabalhosdomésticos nas casas dos ex-senhores brancos, dependiammuitas vezes dos vínculos no terreiro para terem com quemdeixar seus filhos para ir trabalhar, para um empréstimoquando o salário não alcançava, para conseguir um emprego,para ter acesso a atendimento médico (ou para tertratamento alternativo usando o conhecimento das plantasdo candomblé), para matricular os filhos em uma escola,até mesmo para mediar a relação com o Estado, defendendo-seda violência exercida por agentes policiais,fiscais e outros, para quem “até provar que não/negrosempre é vilão”, como afirma uma canção do Ilê Aiyê. Oconhecimento adquirido no terreiro muitas vezes tornouseprofissão e fonte de renda, como o ofício de baiana deacarajé, cozinheira (da “comida de azeite”), “curandeira”,ou seja, médica e parteira. Mas, principalmente, o candomblépropiciou a valorização da mulher negra. Depreciadae humilhada em tantas situações na sociedade racista,no terreiro esta mulher, como iniciada, como mais-velha,como sacerdotisa, é detentora de um saber e de um poderque lhe dão dignidade, reconhecimento, que a reconciliamcom sua identidade afro-brasileira, tornando-a orgulhosade ser a principal agente da preservação e recriação daherança africana.Outros marginalizados também encontraram no candomblérefúgio, solidariedade, reconhecimento, um lugar para estarno mundo: homens negros pobres, não alfabetizados,brutalizados pelo trabalho braçal, no candomblé se encarregamde funções-chave: tocam os atabaques sagradospara a manifestação das divindades, realizam o sacrifíciodos animais que vão alimentar a comunidade e tornar as divindadespropícias ao seu humano, garantem a segurançado terreiro (novamente, contra a violência do Estado...). Capoeiristas,sambadores e outros tidos por “vagabundos”também encontram no candomblé um local de expressão epartilha da linguagem da musicalidade, da corporalidade edos valores da cosmovisão afro-brasileira.Homossexuais, altamente reprimidos e ameaçados nasociedade permeada de valores machistas, condenadoscomo pecadores pela Igreja Católica, têm encontrado possibilidadede viver sem serem julgados no candomblé, umavez que nesta religião a orientação sexual não implica emqualidades ou defeitos morais, nem denota “normalidade”ou “anormalidade”. O candomblé constitui, também nesteaspecto, uma lição de comportamento ético e de respeitoà diferença.Por fim, é importante lembrar que um número considerávelde brancos, seja por se contraporem à ordem social fundadana injustiça e na desigualdade, seja por estabeleceremvínculos pessoais e afetivos com negros, seja por caíremenfermos e não se recuperarem através das práticas médicasocidentais, seja pela simples e direta manifestação dasentidades afro-brasileiras em suas vidas – pois, segundoestas religiões, todos têm orixás, voduns ou inquices na cabeça,sem distinção de cor – afiliaram-se às religiões afrobrasileiras.Desta forma, também se tornaram, sob algunsaspectos, marginalizados. Apesar disso, certamente estaexperiência lhes permitiu compreender a magnitude daherança africana, usufruir de seus conhecimentos e, sobretudo,deu-lhes a oportunidade de se humanizarem, estabe-

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